quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 131


Salmo 131

1.Cântico das peregrinações. Senhor, lembrai-vos de Davi e de sua grande piedade,
2.como ele fez ao Senhor este juramento, e este voto ao Poderoso de Jacó:
3.Não entrarei na tenda em que moro, não me deitarei no leito de meu repouso,
4.não darei sono aos meus olhos, nem repouso às minhas pálpebras,
5.até que encontre uma residência para o Senhor, uma morada ao Poderoso de Jacó.
6.Ouvimos dizer que a arca estava em Éfrata, nós a encontramos nas campinas de Jaar.
7.Entremos em sua morada, prostremo-nos diante do escabelo de seus pés.
8.Levantai-vos, Senhor, para vir ao vosso repouso, vós e a arca de vossa majestade.
9.Vistam-se de justiça os vossos sacerdotes, e jubilosos cantem de alegria vossos fiéis.
10.Pelo nome de Davi, vosso servo, não rejeiteis a face daquele que vos é consagrado.
11.O Senhor fez a Davi um juramento, de que não há de se retratar: Colocarei em teu trono um descendente de tua raça.
12.Se teus filhos guardarem minha aliança e os preceitos que eu lhes hei de ensinar, também os descendentes deles, para sempre, sentar-se-ão em teu trono.
13.Porque o Senhor escolheu Sião, ele a preferiu para sua morada.
14.É aqui para sempre o lugar de meu repouso, é aqui que habitarei porque o escolhi.
15.Abençoarei copiosamente sua subsistência, fartarei de pão os seus pobres.
16.Revestirei de salvação seus sacerdotes, e seus fiéis exultarão de alegria.
17.Aí farei crescer o poder de Davi, aí prepararei uma lâmpada para o que me é consagrado.
18.Cobrirei de confusão seus inimigos; em sua fronte, porém, brilhará meu diadema.


Salmo 131, 1-10: As promessas divinas feitas a David
1. Ouvimos a primeira parte do Salmo 131, um hino que a Liturgia das Vésperas nos oferece em dois momentos distintos. Não poucos estudiosos pensam que este cântico tenha ressoado na celebração solene do transporte da arca do Senhor, sinal da presença divina no meio do povo de Israel, em Jerusalém, a nova capital escolhida por David. Na narração deste acontecimento, do modo como nos é narrado pela Bíblia, lê-se que o rei David "cingindo a insígnia votiva de linho, dançava com todas as suas forças diante do Senhor. O rei e todos os israelitas conduziram a Arca do Senhor, com gritos de alegria e tocando trombetas" (2 Sm 6, 14-15).
Outros estudiosos, ao contrário, reconduzem o Salmo 131 a uma celebração comemorativa daquele acontecimento antigo, depois da instituição do culto no santuário de Sião por obra precisamente de David.
2. O nosso hino parece supor uma dimensão litúrgica: provavelmente era usado durante o desenvolvimento de uma procissão, com a presença de sacerdotes e fiéis e a participação de um coro.
Seguindo a Liturgia das Vésperas, deter-nos-emos sobre os primeiros dez versículos do Salmo, que agora proclamamos. No centro desta parte está colocado o juramento solene pronunciado por David. De facto, diz-se que ele deixando para trás o áspero contraste com o predecessor, o rei Saul "fez juramento ao Senhor e um voto ao Deus de Jacob" (cf. Sl 131, 2). O conteúdo deste compromisso solene, expresso nos vv. 3-5, é claro: o soberano não entrará no palácio real de Jerusalém, não irá repousar tranquilo, se primeiro não tiver encontrado uma morada para a arca do Senhor.
Por conseguinte, deve haver no próprio centro da vida social uma presença que evoca o mistério de Deus transcendente. Deus e homem caminham juntos na história, e o templo tem a tarefa de assinalar de modo visível esta comunhão.
3. Neste ponto, depois das palavras de David, apresenta-se, talvez através das palavras de um coro litúrgico, a memória do passado. De facto, é reevocado o encontro da arca nos campos de Jaar, na região de Efrata (cf. v. 6): permenecera ali durante muito tempo, depois de ter sido restituída pelos Filisteus a Israel, que a tinha perdido durante uma batalha (cf. 1 Sm 7, 1; 2 Sm 6, 2.11). Por isso, da província é conduzida à futura cidade santa e o nosso trecho termina com uma celebração de festa que vê, por um lado, o povo adorante (cf. Sl 131, 7.9), isto é, a assembleia litúrgica e, por outro, o Senhor que volta a fazer-se presente e operante no sinal da arca colocada em Sião (cf. v. 8), no centro do seu povo.
A alma da liturgia encontra-se neste cruzamento entre sacerdotes e fiéis, por um lado, e por outro, o Senhor com o seu poder.
4. Como selo da primeira parte do Salmo 131 ressoa uma aclamação orante a favor dos reis sucessores de David: "Por amor de David, teu servo, não desvies o teu rosto do teu ungido" (v.10).
Vê-se, portanto, o futuro sucessor de David, o "teu ungido". É fácil intuir uma dimensão messiânica nesta súplica, inicialmente destinada a impetrar amparo para o soberano hebraico nas provas da vida. A palavra "ungido" traduz de facto a palavra hebraica "Messias": o olhar do orante vai assim para além das vicissitudes do reino de Judas e projecta-se para a grande expectativa do "Consagrado" perfeito, o Messias que será sempre agradável a Deus, por ele amado e abençoado, e será não só de Israel, mas o "ungido", o rei para todo o mundo. Ele, Deus, está connosco e espera este "ungido", que depois veio na pessoa de Jesus Cristo.
5. Esta interpretação messiânica para o futuro "ungido" dominará a releitura cristã e alargar-se-á a todo o Salmo.
É significativa, por exemplo, a aplicação que Hesíquio de Jerusalém, um presbítero da primeira metade do século V, fará do v. 8 à encarnação de Cristo. Na sua Segunda Homilia sobre a Mãe de Deus ele dirige-se a Maria do seguinte modo: "Sobre ti e sobre Aquele que de ti nasceu, David não cessa de cantar sobre a cítara: "Levanta-te, Senhor, e entra no teu repouso, tu e a Arca do teu poder" (Sl 131, 8)". Quem é a "Arca do teu poder?" Hesíquio responde: "Evidentemente a Virgem, a Mãe de Deus. Porque, se tu és a pérola, ela é de direito a arca; se tu és o sol, necessariamente a Virgem será chamada céu; e se tu és a Flor incontaminada, a Virgem será a planta incorruptível, paraíso de imortalidade" (Textos marianos do primeiro milénio, I, Roma 1988, pp. 532-533).
Parece-me muito importante esta dupla interpretação. Cristo é o "Ungido", o Filho do próprio Deus encarnou-se. E a Arca da Aliança, a verdadeira morada de Deus no mundo, não feita de madeira mas de carne e sangue, é Nossa Senhora, que se oferece a si mesma ao Senhor como Arca da Aliança e nos convida a sermos, nós também, morada viva para Deus no mundo.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 14 de Setembro de 2005

Salmo 131, 11-18: Eleição de David e de Sião
1. Ressoou agora a segunda parte do Salmo 131, um cântico que evoca um acontecimento capital na história de Israel: a transladação da arca do Senhor para a cidade de Jerusalém.
David tinha sido o artífice desta transferência, testemunhado na primeira parte do Salmo, por nós já considerada. De facto, o rei tinha feito o juramento de não se estabelecer no palácio real se não tivesse encontrado primeiro uma moradia para a arca de Deus, sinal da presença do Senhor junto ao seu povo (cf. vv. 3-5).
Àquele juramento do soberano corresponde agora o juramento do próprio Deus: "O Senhor fez um juramento a David, uma promessa a que não faltará" (v. 11). Substancialmente esta promessa solene é a mesma que o profeta Natan fizera, em nome de Deus, ao próprio David; ela refere-se à descendência davídica futura, destinada a reinar estavelmente (cf. 2 Sm 7, 8-16).
2. Mas o juramento divino requer o compromisso humano, a ponto de estar condicionado por um "se": "Se os teus filhos guardarem a minha Aliança" (Sl 131, 12). À promessa e ao dom de Deus, que nada tem de mágico, deve corresponder a adesão fiel e laboriosa do homem num diálogo que relaciona duas liberdades, a divina e a humana.
A este ponto o Salmo transforma-se num cântico que exalta os maravilhosos efeitos quer do dom do Senhor, quer da fidelidade de Israel. De facto, experimentar-se-á a presença de Deus no meio do povo (cf. vv. 13-14): ele será como um habitante entre os habitantes de Jerusalém, como um cidadão que vive com os outros cidadãos as vicissitudes da história, oferecendo contudo a força da sua bênção.
3. Deus abençoará as colheitas, preocupando-se que os pobres sejam saciados (cf. v. 15); revestirá com o seu manto protectivo os seus sacerdotes oferecendo-lhes a salvação; fará com que todos os fiéis vivam na alegria e na confiança (cf. v. 16).
A bênção mais intensa é reservada mais uma vez a David e à sua descendência: "Ali farei surgir descendência para David e farei brilhar a luz do meu ungido. Cobrirei de vergonha os seus inimigos, mas sobre ele farei brilhar o seu diadema" (vv. 17-18).
Mais uma vez, como tinha acontecido na primeira parte do Salmo (cf. v. 10), entra em cena a figura do "Consagrado", em hebraico "Messias", relacionando assim a descendência davídica com o messianismo que, na releitura cristã, encontra plena actuação na figura de Cristo. As imagens usadas são vivazes: David é representado como um rebento que cresce vigoroso. Deus ilumina o descendente davídico com uma lâmpada cintilante, símbolo de vitalidade e de glória; uma coroa esplendorosa marcará o seu triunfo sobre os inimigos e, por conseguinte, a vitória sobre o mal.
4. Em Jerusalém, no templo que conserva a arca e na dinastia davídica, realiza-se a dupla presença do Senhor, a presença no espaço e na história. O Salmo 131 torna-se, então, uma celebração do Deus-Emanuel que está com as suas criaturas, vive ao lado delas e beneficia-as, sob condição de que permaneçam unidas a ele na verdade e na justiça. O centro espiritual deste hino já é prelúdio à proclamação joanina: "E o Verbo fez-se carne e veio habitar connosco" (Jo 1, 14).
5. Concluímos recordando que o início desta segunda parte do Salmo 131 foi usado habitualmente pelos Padres da Igreja para descrever a encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria.
Já Santo Ireneu, referindo-se à profecia de Isaías sobre a Virgem que está para dar à luz, explicava: "As palavras: "Ouve, pois, casa de David" (Is 7, 13) indicam que o rei eterno, que Deus tinha prometido a David de suscitar do "fruto do seu seio" (Sl 131, 11), é o mesmo que nasceu da Virgem, proveniente de David. Por isso, ele tinha prometido um rei que teria nascido do "fruto do seu seio", expressão que indica uma virgem grávida. Portanto a Escritura... situa e afirma o fruto do seio para proclamar que a geração daquele que deveria vir, teria vindo na Virgem. Precisamente como Isabel, cheia de Espírito Santo, confirmou dizendo a Maria: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu seio" (Lc 1, 42). Assim o Espírito Santo indica àqueles que o querem ouvir que, com o parto da Virgem, isto é de Maria, se cumpriu a promessa, feita por Deus a David, de suscitar um rei do fruto do seu seio" (Contra as heresias, 3, 21, 5: Já e Ainda Não, CCCXX, Milão 1997, p. 285).
E assim vemos no grande arco, que vai do Salmo antigo até à Encarnação do Senhor, a fidelidade de Deus. No Salmo já aparece e transparece o mistério de um Deus que habita connosco, que se torna um connosco na Encarnação. E esta fidelidade de Deus é a nossa confiança nas mudanças da história, é a nossa alegria.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 21 de Setembro de 2005


Diretório Franciscano - Salmo 131 (Espanhol)



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