Salmo 96
1.O Senhor reina! Que a terra exulte de alegria, que se rejubile a multidão das ilhas.
2.Está envolvido em escura nuvem, seu trono tem por fundamento a justiça e o direito.
3.Ele é precedido por um fogo que devora em redor os inimigos.
4.Seus relâmpagos iluminam o mundo, a terra estremece ao vê-los.
5.Na presença do Senhor, fundem-se as montanhas como a cera, em presença do Senhor de toda a terra.
6.Os céus anunciam a sua justiça e todos os povos contemplam a sua glória.
7.São confundidos os que adoram estátuas e se gloriam em seus ídolos; pois os deuses se prostram diante do Senhor.
8.Ouve e se alegra Sião, exultam as cidades de Judá por causa de vossos juízos, Senhor.
9.Porque vós, Senhor, sois o soberano de toda a terra, vós sois o Altíssimo entre todos os deuses.
10.O Senhor ama os que detestam o mal, ele vela pelas almas de seus servos e os livra das mãos dos ímpios.
11.A luz resplandece para o justo, e a alegria é concedida ao homem de coração reto.
12.Alegrai-vos, ó justo, no Senhor, e dai glória ao seu santo nome.
A glória do Senhor no juízo
Caríssimos Irmãos e Irmãs:
1. A luz, a alegria e a paz, que no tempo pascal inundam a comunidade dos discípulos de Cristo e se difundem em toda a criação, invadem este nosso encontro, que tem lugar no clima intenso da Oitava de Páscoa. É o triunfo de Cristo sobre o mal e sobre a morte, que celebramos durante estes dias. Com a sua morte e a sua ressurreição, é estabelecido definitivamente o reino de justiça e de amor desejado por Deus.
É precisamente ao tema do reino de Deus que se refere a Catequese de hoje, dedicada à reflexão sobre o Salmo 97 [96]. Este Salmo começa com a solene proclamação: "O Senhor é Rei! A terra exulta e as numerosas ilhas alegram-se", e distingue-se como uma celebração do Rei divino, Senhor do cosmos e da história. Portanto, poderíamos dizer que nos encontramos na presença de um Salmo "pascal".
Sabemos como o anúncio do reino de Deus era importante na pregação de Jesus. Deus não é apenas o reconhecimento da dependência do ser criado em relação ao Criador; é também a convicção de que no interior da história estão inseridos um projecto, um desígnio e uma trama de harmonias e de bens, desejados por Deus. Tudo isto se realizou plenamente na Páscoa da morte e da ressurreição de Jesus.
2. Agora, percorramos o texto do Salmo, que a liturgia nos propõe na celebração das Laudes. Imediatamente depois da aclamação do Senhor rei, que ressoa como um toque de trombeta, abre-se diante do orante uma grandiosa epifania divina. Referindo-se ao uso de citações ou alusões a outros trechos dos Salmos ou dos Profetas, sobretudo de Isaías, o Salmista delineia a irrupção no cenário do mundo do grande Rei, que aparece circundado por uma série de ministros ou forças cósmicas: as nuvens, as trevas, o fogo e os relâmpagos.
Ao lado deles, outra série de ministros personifica a sua acção histórica: a justiça, o direito e a glória. O seu ingresso no cenário faz a criação estremecer. A terra exulta em todos os lugares, também nas ilhas, consideradas como a área mais remota (cf. v. 1). O mundo inteiro é iluminado por relâmpagos de luz e a terra estremece (cf. v. 4). Os montes que, segundo a cosmologia bíblica, encarnam as realidades mais antigas e sólidas, derretem-se como se fossem de cera (cf. v. 5), como já cantava o profeta Miqueias: "Olhai, o Senhor sai do seu lugar e desce... desfazem-se as montanhas e os vales derretem-se como cera junto do fogo" (1, 3-4). Nos céus ressoam hinos angélicos que exaltam a justiça, ou seja, a obra de salvação levada a cabo pelo Senhor para os justos. Enfim, toda a humanidade contempla a revelação da glória divina, ou seja, da misteriosa realidade de Deus (cf. Sl 97 [96], 6), enquanto os "inimigos" isto é, os iníquos e os injustos, cedem perante a força irresistível do juízo do Senhor (cf. v. 3).
3. Depois da teofania do Senhor do universo, o Salmo descreve dois tipos de reacção diante do grande Rei e do seu ingresso na história. Por um lado, os idólatras e os ídolos caem por terra confusos e derrotados; por outro, os fiéis reunidos em Sião para a celebração litúrgica em honra do Senhor, elevam com alegria um hino de louvor. A cena dos "adoradores de estátuas" (cf. vv. 7-9) é essencial: os ídolos prostram-se diante do único Deus e os seus seguidores cobrem-se de vergonha. Os justos assistem exultantes ao juízo divino, que elimina a mentira e a falsa religiosidade, fontes de miséria moral e de escravidão. Eles entoam uma profissão de fé luminosa: "Porque Tu és, ó Senhor, o Altíssimo sobre a terra inteira, mais elevado do que todos os deuses" (v. 9).
4. Ao quadro que descreve a vitória sobre os ídolos e sobre os seus adoradores opõe-se aquele que poderíamos definir como o maravilhoso dia dos fiéis (cf. vv. 10-12). Com efeito, fala-se de uma luz que se levanta para o justo (cf. v. 11): é como se despontasse uma aurora de alegria, de festa e de esperança, também porque como se sabe a luz é símbolo de Deus (cf. 1 Jo 1, 5).
O profeta Malaquias declarava: "Para vós que temeis o Senhor brilhará o sol da justiça" (3, 20). À luz, associa-se a felicidade: "Alegria para os corações rectos. Justos, alegrai-vos com o Senhor e celebrai a sua memória santa!" (Sl 97 [96], 11-12).
O reino de Deus é uma fonte de paz e de serenidade, pois aniquila o império das trevas. Uma comunidade judaica contemporânea de Jesus cantava: "A injustiça vacila diante da justiça, como as trevas se afastam da luz; a injustiça desaparecerá para sempre e a justiça, como o sol, mostrar-se-á como princípio de ordem do mundo" (Livro dos mistérios, do Qumran: 1 Q 27, I, 5-7).
5. Antes de deixar o Salmo 97 [96], é importante encontrar nele, para além da face do Senhor Rei, também o rosto do fiel. Ele é descrito com sete traços, sinal de perfeição e de plenitude. Aqueles que esperam a vinda do grande Rei divino odeiam o mal e amam o Senhor, são os hasidim, ou seja, os fiéis (cf. v. 10), caminham pela senda da justiça e são rectos de coração (cf. v. 11), alegram-se diante das obras de Deus e dão graças ao santo nome do Senhor (cf. v. 12). Peçamos ao Senhor que estes traços espirituais brilhem inclusivamente nos nossos rostos.
JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA
Quarta-feira 3 de abril de 2002
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