quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 95


Salmo 95

1.Cantai ao Senhor um cântico novo. Cantai ao Senhor, terra inteira.
2.Cantai ao Senhor e bendizei o seu nome, anunciai cada dia a salvação que ele nos trouxe.
3.Proclamai às nações a sua glória, a todos os povos as suas maravilhas.
4.Porque o Senhor é grande e digno de todo o louvor, o único temível de todos os deuses.
5.Porque os deuses dos pagãos, sejam quais forem, não passam de ídolos. Mas foi o Senhor quem criou os céus.
6.Em seu semblante, a majestade e a beleza; em seu santuário, o poder e o esplendor.
7.Tributai ao Senhor, famílias dos povos, tributai ao Senhor a glória e a honra,
8.tributai ao Senhor a glória devida ao seu nome. Trazei oferendas e entrai nos seus átrios.
9.Adorai o Senhor, com ornamentos sagrados. Diante dele estremece a terra inteira.
10.Dizei às nações: O Senhor é rei. E (a terra) não vacila, porque ele a sustém. Governa os povos com justiça.
11.Alegrem-se os céus e exulte a terra, retumbe o oceano e o que ele contém,
12.regozijem-se os campos e tudo o que existe neles. Jubilem todas as árvores das florestas
13.com a presença do Senhor, que vem, pois ele vem para governar a terra: julgará o mundo com justiça, e os povos segundo a sua verdade.

Deus é rei e juiz do universo
Queridos Irmãos e Irmãs:
1. "Proclamai ante os povos:  "O Senhor é quem reina"". Esta exortação do Salmo 95 (v. 10), que agora proclamámos, oferece como que a tonalidade sobre a qual se modula todo o hino. De facto, ele insere-se entre os chamados "Salmos do Senhor rei", que incluem os Salmos 95-98, além do 46 e do 92.
Já tivemos no passado a ocasião de encontrar e comentar o Salmo 92, e sabemos como estes cânticos têm no centro a figura grandiosa de Deus, que ampara todo o universo e governa a história da humanidade.
Também o Salmo 95 exalta tanto o Criador dos seres, como o Salvador dos povos:  Deus "fixou o orbe, não vacilará; governa os povos com equidade" (v. 10). Aliás, no original hebraico o verbo traduzido com "julgar" significa na realidade "governar":  desta forma temos a certeza que nós não estamos abandonados às forças obscuras da confusão ou do acaso, mas estamos sempre nas mãos  de  um  Soberano  justo  e  misericordioso.
2. O Salmo começa com um convite festivo a louvar a Deus, um convite que abre imediatamente uma perspectiva universal:  "Cantai ao Senhor terra inteira!" (v. 1). Os fiéis são convidados a "narrar a glória" de Deus "entre os povos", depois a dirigirem-se "a todas as nações" para proclamar "os seus prodígios" (v. 3). Aliás, o Salmista interpela directamente as "famílias dos povos" (v. 7) para convidar a glorificar o Senhor. Por fim, pede aos fiéis que digam "entre os povos:  o Senhor reina" (v. 10), e esclarece que o Senhor "julga as nações" (v. 10), "todos os povos" (v. 13). Esta abertura universal por parte de um pequeno povo esmagado pelos grandes impérios é muito significativa. Este povo sabe que o seu Senhor é o Deus do universo e que "os deuses dos pagãos são nada" (v. 5).
O Salmo está substancialmente constituído por dois quadros. A primeira parte (cf. vv. 1-9) inclui uma solene epifania do Senhor "no seu santuário" (v. 6), isto é, no templo de Sião. Ela é precedida e seguida pelos cânticos e ritos sacrificais da assembleia dos fiéis. Desfila premente o fluxo do louvor face à majestade divina:  "Cantai ao Senhor um cântico novo... cantai... cantai... bendizei... anunciai a sua salvação... narrai a sua glória... proclamai os seus prodígios... rendei ao Senhor glória e poder... rendei ao Senhor glória... transportai ofertas... prostrai-vos" (vv. 1.3.7-9).
O gesto fundamental perante o Senhor rei, que manifesta a sua glória na história da salvação é, por conseguinte, o cântico de adoração, de louvor e de bênção. Estas atitudes deveriam estar presentes também no âmbito da nossa liturgia quotidiana e da nossa oração pessoal.
3. No centro deste cântico encontramos uma declaração anti-idolátrica. A oração revela-se assim como que um caminho para alcançar a pureza da fé, segundo a nossa afirmação lex orandi, lex credendi:  a norma da verdadeira oração é também norma de fé, é lição sobre a verdade divina. Com efeito, ela pode ser descoberta precisamente através da comunhão íntima com Deus realizada na oração.
O Salmista proclama:  "é grande o Senhor e mui digno de louvor, mais terrível que todos os deuses. Os deuses dos pagãos são nada, mas o Senhor criou os céus" (vv. 4-5). Através da liturgia e da oração purifica-se a fé de todas os degenerações, abandonam-se aqueles ídolos aos quais se sacrifica facilmente algo de nós durante a vida quotidiana, passa-se do medo face à justiça transcendente de Deus à experiência viva do seu amor.
4. Mas eis-nos no segundo quadro, o que se abre com a proclamação da realeza do Senhor (cf. vv. 10-13). Agora quem canta é o universo, também nos seus elementos mais misteriosos e obscuros, como o mar, segundo a antiga concepção bíblica:  "Alegrem-se os céus, exulte a terra! Ressoe o mar e quanto nele existe! Sorriam os campos e todos os seus frutos, exultem também todas as árvores dos bosques, na presença do Senhor que se aproxima, porque Ele vem governar a terra" (vv. 11-13).
Como dirá São Paulo, também a natureza, juntamente com o homem, "aguarda ansiosa... de ser também ela, libertada da servidão da corrupção para participar, livremente, da glória dos filhos de Deus" (Rm 8, 19.21).
E nesta altura, gostaríamos de deixar espaço à leitura cristã deste Salmo realizada pelos Padres da Igreja, que viram neles uma prefiguração da Encarnação e da Crucifixão, sinal da realeza paradoxal de Cristo.
5. Assim, no início do sermão pronunciado em Constantinopla no Natal de 379 ou de 380, São Gregório de Nazianzo retoma algumas expressões do Salmo 95:  "Cristo nasce:  glorificai-o! Cristo desce do céu:  ide ao seu encontro! Cristo está na terra:  levantai-vos! "Cantai ao Senhor, terra inteira" (v. 1), e, para reunir os dois conceitos, "rejubilem os céus e exulte a terra" (v. 11) devido àquele que é celeste mas que, depois, se tornou terreno" (Homilias sobre a natividade, Discurso 38, 1, Roma 1983, pág. 44).
Desta forma o mistério da realeza divina manifesta-se na Encarnação. Aliás, aquele que reina "tornando-se terreno", reina precisamente na humilhação sobre a Cruz. É significativo que muitos antigos lessem o v. 10 deste Salmo com uma sugestiva integração cristológica:  "O Senhor reinou do madeiro".
Por isso já a Carta de Barnabé ensinava que "o reino de Jesus está no madeiro" (VIII, 5; Os Padres Apostólicos, Roma 1984, pág. 198) e o mártir São Justino, citando quase integralmente o Salmo na sua Primeira Apologia, concluía convidando todos os povos a rejubilar porque "o Senhor reinou do madeiro" da Cruz (Os apologistas gregos, Roma 1986, pág. 121).
Floresceu neste terreno o hino do poeta cristão Veneziano Fortunato, Vexilla regis, no qual é exaltado Cristo que reina do alto da Cruz, trono de amor e não de domínio:  Regnavit a ligno Deus. De facto, já durante a sua existência terrestre, Jesus admoestava:  "Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se escravo de todos. Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos" (Mc 10, 43-45).

JOÃO PAULO II 
  AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 18 de Setembro de 2002



Diretório Franciscano - Salmo 95 (Espanhol)






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