quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 48


Salmo 48

1.Ao mestre de canto. Salmo dos filhos de Coré.
2.Escutai, povos todos; atendei, todos vós que habitais a terra,
3.humildes e poderosos, tanto ricos como pobres.
4.Dirão os meus lábios palavras de sabedoria, e o meu coração meditará pensamentos profundos.
5.Ouvirei, atento, as sentenças inspiradas por Deus; depois, ao som da lira, explicarei meu oráculo.
6.Por que ter medo nos dias de infortúnio, quando me cerca a malícia dos meus inimigos?
7.Eles confiam em seus bens, e se vangloriam das grandes riquezas.
8.Mas nenhum homem a si mesmo pode salvar-se, nem pagar a Deus o seu resgate.
9.Caríssimo é o preço da sua alma, jamais conseguirá
10.prolongar indefinidamente a vida e escapar da morte,
11.porque ele verá morrer o sábio, assim como o néscio e o insensato, deixando a outrem os seus bens.
12.O túmulo será sua eterna morada, sua perpétua habitação, ainda que tenha dado a regiões inteiras o seu nome,
13.pois não permanecerá o homem que vive na opulência: ele é semelhante ao gado que se abate.
14.Este é o destino dos que estultamente em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em delícias.
15.Como um rebanho serão postos no lugar dos mortos; a morte é seu pastor e os justos dominarão sobre eles. Depressa desaparecerão suas figuras, a região dos mortos será sua morada.
16.Deus, porém, livrará minha alma da habitação dos mortos, tomando-me consigo.
17.Não temas quando alguém se torna rico, quando aumenta o luxo de sua casa.
18.Em morrendo, nada levará consigo, nem sua fortuna descerá com ele aos infernos.
19.Ainda que em vida a si se felicitasse: Hão de te aplaudir pelos bens que granjeaste.
20.Ele irá para a companhia de seus pais, que nunca mais verão a luz.
21.O homem que vive na opulência e não reflete é semelhante ao gado que se abate.



Vaidade das riquezas
1. A nossa meditação acerca do Salmo 48 será marcada por duas etapas, precisamente como faz a Liturgia das Vésperas, que no-lo propõe em dois tempos. Comentaremos agora de maneira essencial a primeira parte, na qual a reflexão se inspira numa situação de mal-estar, como no Salmo 72. O justo deve enfrentar "dias maus", porque "o cerca a maldade dos inimigos", que se "vangloriam nas suas riquezas" (cf. Sl 48, 6-7).
A conclusão a que chega o justo é formulada como uma espécie de provérbio, que se reencontrará também no fim de todo o Salmo. Ela sintetiza de modo límpido a mensagem dominante da composição poética: "O homem que vive na opulência não permanecerá: é semelhante aos animais que são abatidos" (v. 13). Noutras palavras, a "grande riqueza" não é uma vantagem, ao contrário! É melhor ser pobre e unido a Deus.
2. No provérbio parece ressoar a voz austera de um antigo sábio bíblico, o Eclesiastes ou Qoelet, quando descreve o destino aparentemente igual de cada criatura viva, o da morte, que vanifica completamente o apego frenético às coisas terrenas: "Assim como saiu nu do ventre de sua mãe, de novo nu partirá como veio, e nada levará do seu esforço, nada nas mãos quando se for... Porque é o mesmo o destino dos filhos dos homens e o destino dos animais; um mesmo fim os espera... Todos vão para um mesmo lugar" (Ecl 5, 14; 3, 10-20).
3. Uma profunda obtusidade se apodera do homem quando se ilude que evita a morte preocupando-se por acumular bens materiais: não é casualmente que o Salmista fala de um "não compreender" com uma marca quase grosseira.
Contudo, o tema será explorado por todas as culturas e espiritualidades e será expresso na sua substância de maneira definitiva por Jesus que declara: "Guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens" (Lc 12, 15). Depois ele narra a famosa parábola do rico insensato, que acumula bens sem medida não pensando na cilada que a morte lhe está a preparar (cf. Lc 12, 16-21).
4. A primeira parte do Salmo centra-se completamente nesta ilusão que conquista o coração do rico. Ele está convencido que consegue "comprar" também a morte, procurando quase corrompê-la, um pouco como fez para obter todas as outras coisas, ou seja, o sucesso, o triunfo sobre o próximo no âmbito social e político, a prevaricação impune, a saciedade, os confortos, os prazeres.
Mas o Salmista não hesita em qualificar esta pretensão estulta. Ele recorre a uma palavra que tem um valor também financeiro, "resgate": "Infelizmente, o homem não consegue escapar nem pagar a Deus o seu resgate. O resgate da sua vida é muito caro e nunca se pagaria o suficiente; nunca chegaria para poder viver para sempre, sem chegar a ver a sepultura" (Sl 48, 8-10).
5. O rico, apegado às suas imensas fortunas, está convencido de que consegue dominar também a morte, do modo como dispôs de tudo e de todos com o dinheiro. Mas por muito grande que seja a cifra que está disposto a oferecer, o seu destino será inexorável. De facto, ele, como todos os homens e mulheres, ricos ou pobres, sábios ou estultos, deverá encaminhar-se para o túmulo, assim como aconteceu também com os poderosos e deverá deixar na terra aquele ouro tão amado, aqueles bens materiais tão idolatrados (cf. vv. 11-12).
Jesus insinua aos seus ouvintes esta pergunta perturbadora: "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?" (Mt 16, 26). Não é possível mudança alguma porque a vida é dom de Deus, que "tem nas suas mãos a vida de todo o ser vivo, e o sopro de vida de todos os homens" (Jb 12,10).
6. Entre os Padres que comentaram o Salmo 48 merece uma atenção particular Santo Ambrósio, que alarga o seu sentido segundo uma visão mais ampla, precisamente a partir do convite inicial do Salmista: "Ouvi bem isto, povos de toda a terra; escutai, habitantes do mundo inteiro".
O antigo Bispo de Milão comenta: "Reconhecemos aqui, precisamente no início, a voz do Senhor salvador que chama os povos para a Igreja, para que renunciem ao pecado, se tornem seguidores da verdade e reconheçam a vantagem da fé". De resto, "todos os corações das várias gerações humanas eram impuros com o veneno da serpente e a consciência humana, escrava do pecado, não era capaz de se afastar dele". Por isso o Senhor "promete, por sua iniciativa, o perdão na generosidade da sua misericórdia, para que o culpado não tenha mais receio, mas, em total consciência, se alegre por ter que oferecer agora os seus ofícios de servo ao Senhor bom, que soube perdoar os pecados, premiar as virtudes" (Comentário aos doze Salmos, n. 1: SAEMO, VIII, Milão-Roma 1980, pág. 253).
7. Sente-se ressoar, nestas palavras do Salmo, o convite evangélico: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo" (Mt 11, 28-29). Ambrósio continua: "Como quem virá para visitar os doentes, como um médico que virá para curar as nossas feridas dolorosas, assim ele nos perspectiva a cura, para que os homens o ouçam bem e todos corram com solicitude confiante para receber o remédio da cura... Chama todos os povos à nascente da sabedoria e do conhecimento, a todos promete a redenção, para que ninguém viva na angústia, para que ninguém viva no desespero" (n. 2: ibidem, págs. 253.255).

A riqueza humana não salva
1. A Liturgia das Vésperas, no seu desenvolvimento progressivo, apresenta-nos de novo o Salmo 48 de tipo sapiencial, do qual agora foi proclamada a segunda parte (cf. vv. 14-21). Como a precedente (cf. vv. 1-13) sobre a qual já reflectimos, também esta parte do Salmo condena a ilusão gerada pela idolatria da riqueza. Esta é uma das tentações constantes da humanidade: apegando-se ao dinheiro, considerado dotado de uma força invencível, que se ilude de poder "comprar também a morte", afastando-a de si.
2. Na realidade a morte irrompe com a sua capacidade de arrasar qualquer ilusão, destruindo todos os obstáculos, humilhando qualquer confiança em si próprio (cf. v. 14) e encaminhando ricos e pobres, soberanos e súbditos, estultos e sábios para o além. Eficaz é a imagem que o Salmista esboça apresentando a morte como um pastor que conduz com mão firme o rebanho das criaturas corruptíveis (cf. v. 15). Por conseguinte, o Salmo 48 propõe-nos uma meditação realista e severa sobre a morte, meta iniludível e fundamental da existência humana.
Com frequência, nós procuramos de todas as formas ignorar esta realidade, afastando o seu pensamento do nosso horizonte. Mas esta fadiga, além de ser inútil, é também inoportuna. A reflexão sobre a morte, de facto, revela-se benéfica porque relativiza tantas realidades secundárias que infelizmente absolutizámos, precisamente como a riqueza, o sucesso, o poder... Por isso, um sábio do Antigo Testamento, Ben Sirac, admoesta: "Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim, e jamais haverás de pecar" (7, 36).
3. Mas eis no nosso Salmo uma mudança decisiva. Se o dinheiro não consegue "resgatar-nos" da morte (cf. Sl 48, 8-9), há contudo alguém que nos pode redimir daquele horizonte obscuro e dramático. De facto, diz o Salmista: "Deus há-de resgatar a minha vida, há-de arrancar-me ao poder da morte" (v. 16).
Abre-se assim, para o justo, um horizonte de esperança e de imortalidade. À pergunta feita no início do Salmo ("Por que hei-de temer?": v. 6), é agora dada a resposta: "Não te preocupes, se alguém enriquece" (v. 17).
4. O justo, pobre e humilhado na história, quando chega à última fronteira da vida, não possui bens, não tem nada para depositar como "resgate" para deter a morte e subtrair-se ao seu abraço gélido. Mas eis a grande surpresa: o próprio Deus deposita um resgate e arranca das mãos da morte o seu fiel, porque Ele é o único que pode vencer a morte, inexorável em relação às criaturas humanas.
Por isto o Salmista convida a "não temer" e a não invejar o rico sempre mais arrogante na sua glória (cf. ibid.) porque, quando chegar à morte, será despojado de tudo, não poderá levar consigo nem ouro nem prata, nem fama nem sucesso (cf. vv. 18-19). O fiel, ao contrário, não será abandonado pelo Senhor, que lhe indicará "o caminho da vida, saciá-lo-á de alegria na sua presença, e de delícias eternas, à sua direita" (cf. Sl 15, 11).
E então poderíamos citar, como conclusão da meditação sapiencial do Salmo 48, as palavras de Jesus que nos ilustra o verdadeiro tesouro que desafia a morte: "Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração" (Mt 6, 19-21).
6. Em continuidade com as palavras de Cristo, Santo Ambrósio no seu Comentário ao Salmo 48 recorda de maneira clara e firme a inconsistência das riquezas: "Todas elas são coisas caducas que se vão mais depressa de quando vieram. Um tesouro deste tipo não passa de um sonho. Quando acordas já desapareceu, porque o homem que consegue curar a embriaguez deste mundo e apropriar-se da sobriedade da virtude, despreza todas estas coisas e não dá valor algum ao dinheiro" (Comentário a doze salmos, n. 23: SAEMO, VIII, Milão-Roma 1980, pág. 275).
7. Por conseguinte, o Bispo de Milão convida a não se deixar ingenuamente atrair pelas riquezas e pela glória humana: "Não tenhas receio, nem sequer quando sentires que engrandeceu a glória de alguma família poderosa! Sabe olhar profundamente com atenção, e ela mostrar-se-á vazia se não tiver consigo um mínimo da plenitude da fé". De facto, antes que Cristo viesse, o homem estava arruinado e vazio: "A queda desastrosa daquele antigo Adão esvaziou-nos, mas encheu-nos da graça de Cristo. Ele despojou-se a si mesmo para nos encher e para fazer habitar na carne do homem a plenitude da virtude". Santo Ambrósio conclui que precisamente por isto, podemos exclamar agora, com São João: "Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça" (Jo 1, 16) (cf. ibid.).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 27 de Outubro de 2004


Diretório Franciscano - Salmo 48 (Espanhol)








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