quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 46


Salmo 46

O Senhor é o rei do universo

Queridos irmãos e irmãs,
1. "O Senhor, o Altíssimo, é Grande Rei sobre toda a terra"!
Esta aclamação inicial é repetida em diversas tonalidades em todo o Salmo 46, que agora ouvimos. Ele configura-se como um hino ao Senhor soberano do universo e da história:  "Ele é o rei da terra inteira... Reina o Senhor sobre as nações" (vv. 8-9).
Este hino ao Senhor, rei do mundo e da humanidade, como outras composições semelhantes presentes no Saltério (cf. Sl 92; 95-98), supõe uma atmosfera celebrativa litúrgica. Por isso, estamos no coração espiritual do louvor de Israel, que sobe ao céu partindo do templo, o lugar no qual o Deus infinito e eterno se revela e encontra o seu povo.
2. Seguiremos este cântico de louvor glorioso nos seus momentos fundamentais, semelhantes a duas ondas que progridem rumo à beira-mar. Diferem na maneira de considerar a relação entre Israel e as nações. Na primeira parte do Salmo, a relação é de domínio:  Deus "submete as nações debaixo do nosso jugo, põe os povos sob os nossos pés" (v. 4); na segunda parte, ao contrário, a relação é de associação:  "Reuniram-se os príncipes dos povos ao povo do Deus de Abraão" (v. 10). Por conseguinte, verifica-se um grande progresso.
Na primeira parte (vv. 2-6) diz-se:  "Povos todos, batei as palmas, aclamai ao Senhor, com vozes de alegria!" (v. 2). O centro deste aplauso festivo é a figura grandiosa do Senhor supremo, ao qual se atribuem três títulos gloriosos:  "altíssimo, grande e temível" (v. 3). Eles exaltam a transcendência divina, a primazia absoluta no ser, a omnipotência. Também Cristo ressuscitado exclamará:  "Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28, 18).
3. No âmbito da senhoria universal de Deus sobre todas as nações da terra (cf. v. 4) o orante evidencia a sua presença particular em Israel, o povo da eleição divina, "o predilecto", a herança mais preciosa e querida ao Senhor (cf. v. 5). Por conseguinte, Israel sente-se objecto de um amor particular de Deus, que se manifestou com a vitória sobre as nações inimigas. Durante a batalha, a presença da arca da aliança junto das tropas de Israel garantia-lhes a ajuda de Deus; depois da vitória, a arca voltou a ser posta no monte Sião (cf. Sl 67, 19) e todos proclamavam:  "Deus se eleva entre aclamações, o Senhor entre clamores de trombeta" (Sl 46, 6).
4. O segundo momento do Salmo (cf. vv. 7-10) abre-se com outra onda de louvor e de cântico festivo:  "Cantai ao Senhor, cantai! Cantai ao nosso rei, cantai... Cantai salmos a Deus com toda a arte!" (vv. 7-8). Também agora se entoam hinos ao Senhor sentado no trono na plenitude da sua realeza (cf. v. 9). Este trono real é chamado "santo", porque dele não se pode aproximar o homem limitado e pecador. Mas trono celeste é também a arca da aliança presente na área mais sagrada do templo de Sião. Deste modo, o Deus distante e transcendente, santo e infinito, aproxima-se das suas criaturas, adaptando-se ao espaço e ao tempo (cf. 1 Rs 8, 27.30).
5. O salmo termina com uma nota surpreendente devido à sua abertura universal:  "Reuniram-se os príncipes dos povos ao povo de Deus de Abraão" (v. 10). Remonta-se a Abraão, o patriarca que está na base não só de Israel mas também de outras nações. Ao povo eleito que dele descende, é confiada a missão de fazer convergir para o Senhor todas as nações e todas as culturas, porque Ele é Deus de toda a humanidade. Do oriente ao ocidente reunir-se-ão então em Sião para encontrar este rei de paz e de amor, de unidade e de fraternidade (cf. Mt 8, 11). Como esperava o profeta Isaías, os povos inimigos entre si foram convidados a lançar à terra as armas e a viver juntos sob a única soberania divina, sob um governo regido pela justiça e pela paz (Is 2, 2-5). O olhar de todos estará fixo na nova Jerusalém onde o Senhor "sobe" para se revelar na glória da sua divindade. Será "uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas... clamavam em alta voz, dizendo:  a salvação pertence ao nosso Deus que está sentado no trono e ao Cordeiro" (Ap 7, 9.10).
6. A Carta aos Efésios vê a realização desta profecia no mistério de Cristo redentor quando afirma, dirigida aos cristãos não provenientes do judaísmo:  "vós éreis gentios pela carne... lembrai-vos que nesse tempo estáveis sem Cristo, privados do direito de cidade em Israel e alheios às alianças da Promessa sem esperança e sem Deus no mundo. Agora, porém, vós, que outrora estáveis longe, pelo sangue de Cristo, vos aproximastes. Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava" (Ef 2, 11-14).

Por conseguinte, em Cristo, a realeza de Deus, cantada pelo nosso Salmo, realizou-se na terra para todos os povos. Uma homilia anónima do século VIII comenta do seguinte modo este mistério:  "Até à vinda do Messias, esperança das nações, os povos gentios não adoraram Deus e não conheceram quem Ele é. E enquanto o Messias não os resgatou, Deus não reinou sobre as nações por meio da sua obediência e do seu culto. Pelo contrário, agora Deus, com a sua Palavra e com o seu espírito, reina sobre eles, porque os salvou do engano e fez com que se tornassem amigos" (Palestino  anónimo,  Homilia  árabe-cristã  do  século  VIII,  Roma,  1994, pág. 100).

JOÃO PAULO II    
AUDIÊNCIA  
Quarta-feira 5 de setembro de 2001


















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