Salmo 40
1.Ao mestre de canto. Salmo de Davi.
2.Feliz quem se lembra do necessitado e do pobre, porque no dia da desgraça o Senhor o salvará.
3.O Senhor há de guardá-lo e o conservará vivo, há de torná-lo feliz na terra e não o abandonará à mercê de seus inimigos.
4.O Senhor o assistirá no leito de dores, e na sua doença o reconfortará.
5.Quanto a mim, eu vos digo: Piedade para mim, Senhor; sarai-me, porque pequei contra vós.
6.Meus inimigos falam de mim maldizendo: Quando há de morrer e se extinguir o seu nome?
7.Se alguém me vem visitar, fala hipocritamente. Seu coração recolhe calúnias e, saindo fora, se apressa em divulgá-las.
8.Todos os que me odeiam murmuram contra mim, e só procuram fazer-me mal.
9.Um mal mortal, dizem eles, o atingiu; ei-lo deitado, para não mais se levantar.
10.Até o próprio amigo em que eu confiava, que partilhava do meu pão, levantou contra mim o calcanhar.
11.Ao menos vós, Senhor, tende piedade de mim; erguei-me, para eu lhes dar a paga que merecem.
12.Nisto verei que me sois favorável, se meu inimigo não triunfar de mim.
13.Vós, porém, me conservareis incólume, e na vossa presença me poreis para sempre.
14.Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, de eternidade em eternidade! Assim seja! Assim seja!
Súplica de um doente
1. Um motivo que nos leva a compreender e amar o Salmo 40 que agora ouvimos, é o facto de o próprio Jesus o ter citado: "Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar" (Jo 13, 18).
É a última noite da sua vida terrestre e Jesus, no Cenáculo, está prestes a oferecer o pedaço de pão ensopado a Judas, o traidor. O seu pensamento vai a esta frase do Salmo que, na realidade, é a súplica de um homem enfermo abandonado pelos seus amigos. Naquela antiga oração Cristo encontra sentimentos e palavras para expressar a sua profunda tristeza.
Agora, nós procuraremos seguir e iluminar todo o enredo deste Salmo, que surgiu dos lábios de uma pessoa que sofre, sem dúvida, devido à sua enfermidade, mas sobretudo devido à cruel ironia dos seus "inimigos" (cf. Sl 40, 6-9) e até pela traição de um "amigo" (cf. v. 10).
2. O Salmo 40 começa com uma bem-aventurança. Ela tem como destinatário o amigo verdadeiro, aquele que "cuida do pobre": ele será recompensado pelo Senhor no dia do seu sofrimento, quando estiver, por sua vez, "no leito do sofrimento" (cf. vv. 2-4).
Mas o coração da súplica encontra-se na parte seguinte, onde o doente toma a palavra (cf. vv. 5-10). Ele começa o seu discurso pedindo perdão a Deus, segundo a tradicional concepção antico-testamentária que a cada sofrimento fazia corresponder uma culpa: "Senhor, tem compaixão de mim; cura-me, embora tenha pecado contra ti" (v. 5; cf. Sl 37). Para o antigo hebreu a doença era um apelo à consciência para dar início à conversão.
Mesmo se se trata de uma visão superada por Cristo, Revelador definitivo (cf. Jo 9, 1-3), o sofrimento em si próprio pode esconder um valor secreto e tornar-se um caminho de purificação, de libertação interior, de enriquecimento da alma. Ela convida a vencer a superficialidade, a vaidade, o egoísmo, o pecado e a confiar-se mais intensamente a Deus e à sua vontade savífica.
3. Mas eis que entram em cena os maldosos, aqueles que vieram visitar o doente não para o confortar, mas para o atacar (cf. vv. 6-9). As suas palavras são ásperas e atingem o coração do orante, que experimenta uma maldade que não conhece piedade. Farão a mesma experiência muitos pobres humilhados, condenados a estar sozinhos e a sentir-se um peso para os seus familiares. E se por vezes lhes são destinadas algumas palavras de conforto, sentem imediatamente o tom falso e hipócrita.
Aliás, como se dizia, o orante experimenta a indiferença e a dureza até por parte dos amigos (cf. v. 10), que se transformam em figuras hostis e odiosas. O Salmista usa com eles a expressão de "levantar o calcanhar", o acto ameaçador de quem está para ofender um vencido ou o impulso do cavaleiro que excita o seu cavalo com o calcanhar para fazer com que vença o adversário.
A amargura é profunda, quando quem nos ofende é o "amigo" no qual se tinha confiança, chamado literalmente em hebraico "o homem da paz". O pensamento dirige-se para os amigos de Job que de companheiros de vida se transformam em presenças indiferentes e hostis (cf. Job 19, 1-6). Ressoa no nosso orante a voz de uma multidão de pessoas esquecidas e humilhadas na sua enfermidade e debilidade, também da parte daqueles que deveriam tê-las amparado.
4. Contudo a oração do Salmo 40 não termina com este quadro sombrio. O orante tem a certeza de que Deus se apresentará no seu horizonte, revelando mais uma vez o seu amor (cf. vv. 11-14). Será ele quem oferece o apoio e tomará nos seus braços o doente, o qual voltará "para a presença" do seu Senhor (v. 13), isto é segundo a linguagem bíblica reviverá a experiência da liturgia no templo.
O Salmo, marcado pelo sofrimento, termina contudo num raio de luz e de esperança. Nesta perspectiva consegue-se compreender como Santo Ambrósio, ao comentar a bem-aventurança inicial (cf. v. 2), tenha visto profeticamente nela um convite a meditar sobre a paixão salvífica de Cristo que conduz à resurreição. De facto, o Padre da Igreja sugere que nos introduzamos da seguinte maneira na leitura do Salmo: "Bem-aventurados aqueles que pensam na miséria e na pobreza de Cristo, o qual, sendo rico, se fez pobre por nós. Rico no seu Reino, pobre na carne, porque assumiu sobre si esta carne de pobres... Portanto, não sofreu na sua riqueza, mas na nossa pobreza. Não foi então a plenitude da divindade que sofreu... mas a carne... Procura, pois, penetrar o sentido da pobreza de Cristo, se queres ser rico! Procura penetrar o sentido da sua debilidade, se desejas obter a saúde! Procura penetrar o sentido da sua cruz, se não te queres envergonhar dela; o sentido da sua ferida, se queres curar as tuas; o sentido da sua morte, se desejas alcançar a vida eterna; o sentido da sua sepultura, se desejas encontrar a ressurreição" (Comentário a doze salmos: Saemo, VIII, Milão-Roma 1980, pp. 39-41).
PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 26 de Maio de 2004
Diretório Franciscano - Salmo 40 (Espanhol)
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