quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 98


Salmo 98

1.O Senhor reina, tremem os povos; seu trono está sobre os querubins: vacila a terra.
2.Grande é o Senhor em Sião, elevado acima de todos os povos.
3.Seja celebrado vosso grande e temível nome, porque ele é Santo.
4.Reina o Rei poderoso que ama a justiça; sois vós que estabeleceis o que é reto, sois vos que exerceis em Jacó o direito e a justiça.
5.Exaltai ao Senhor, nosso Deus, e prostrai-vos ante o escabelo de seus pés, porque ele é Santo.
6.Entre seus sacerdotes estavam Moisés e Aarão, e Samuel um dos que invocaram o seu nome: clamavam ao Senhor, que os atendia.
7.Falava-lhes na coluna de nuvem, eles guardavam os seus preceitos e a lei que lhes havia dado.
8.Senhor, nosso Deus, vós os ouvistes, fostes para eles um Deus propício, ainda quando puníeis as suas injustiças.
9.Exaltai ao Senhor, nosso Deus, e prostrai-vos ante sua montanha santa, porque santo é o Senhor, nosso Deus.

Santo é o Senhor nosso Deus
1. "O Senhor reina". Esta aclamação, que abre o Salmo 98 que acabamos de escutar, revela o seu tema fundamental e o seu género literário característico. Trata-se de um cântico elevado pelo Povo de Deus ao Senhor, que governa o mundo e a história como soberano transcendente e supremo. Ele relaciona-se com outros hinos análogos os Salmos 95-97, que já foram objecto da nossa reflexão que a Liturgia das Laudes coloca como oração ideal da manhã.
Com efeito, o fiel, ao começar o seu dia sabe que não é abandonado a um poder cego e obscuro, nem deixado na incerteza da sua liberdade, nem confiado às decisões alheias, nem dominado pelas vicissitudes da história. Ele sabe que acima de qualquer realidade terrena se eleva o Criador e Salvador na sua grandeza, santidade e misericórdia.
2. São várias as hipóteses feitas pelos estudiosos sobre o uso deste Salmo na liturgia do templo de Sião. Contudo, ele tem um tom de louvor contemplativo que se eleva ao Senhor, sentado na glória celeste diante de todos os povos da terra (cf. v. 1). E contudo, Deus torna-se presente num espaço e no meio da comunidade, isto é em Jerusalém (cf. v. 2), mostrando que é "Deus-connosco".
São sete os títulos solenes atribuídos a Deus pelo Salmista logo nos primeiros versículos:  ele é rei, grande, excelso, terrível, santo, poderoso, justo (cf. vv. 1-4). Mais adiante, Deus é apresentado também com a qualificação de "paciente" (v. 8). A ênfase é posta sobretudo sobre a santidade de Deus:  de facto, por três vezes é repetido quase em forma de antífona que "ele é santo" (vv. 3.5.9). A palavra indica, na linguagem bíblica, sobretudo a transcendência divina. Deus é  superior  a  nós,  e  situa-se  infinitamente acima de todas as suas criaturas. Mas esta transcendência não faz dele um soberano indiferente e estranho:  quando é invocado, responde (cf. v. 6). Deus é aquele que pode salvar, o único que  pode  libertar  a  humanidade  do mal e da morte. De facto, ele "ama a justiça" e "exerce o direito e a justiça em Jacob" (v. 4).
3. Sobre o tema da santidade de Deus os Padres da Igreja fizeram numerosas reflexões, celebrando a inacessibilidade divina. Contudo, este Deus transcendente e santo fez-se próximo do homem. Aliás, como diz Santo Ireneu, "habituou-se" ao homem já no Antigo Testamento, manifestando-se com aparições e falando por meio dos profetas, enquanto o homem "se habituava" a Deus aprendendo a segui-lo e a obedecer-lhe. Também, Santo Efrém, num dos seus hinos, realça que através da encarnação "o Santo tomou a sua habitação no seio (de Maria) de forma corpórea, / agora ele toma a sua habitação na mente de maneira espiritual" (Hinos sobre a Natividade, 4, 130). Além disso, pelo dom da Eucaristia, em analogia com a encarnação, "o Remédio de Vida desceu do alto / para habitar naqueles que são dignos dele. / Depois de ele ter entrado, / assumiu a sua habitação connosco, / assim santificamo-nos a nós próprios dentro dele" (Hinos conservados em arménio, 47, 27.30).
4. Este vínculo profundo entre "santidade" e proximidade de Deus é desenvolvido também no Salmo 98. De facto, depois de ter contemplado a perfeição absoluta do Senhor, o Salmista recorda que Deus estava em perene contacto com o seu povo através de Moisés e de Aarão, seus mediadores, como também através de Samuel, seu profeta. Ele falava e era escutado, castigava os delitos mas também perdoava.
Desta sua presença entre o povo era sinal "o escabelo dos seus pés", isto é, o trono da arca do templo de Sião (cf. vv. 5-8). Por conseguinte, o Deus santo e invisível tornava-se disponível para o seu povo através de Moisés, o legislador, Aarão, o sacerdote, Samuel, o profeta. Ele revelava-se em palavras e actos de salvação e de juízo, e estava presente em Sião através do culto celebrado no templo.
5. Poderemos então dizer que o Salmo 98 se realiza hoje na Igreja, sede da presença de Deus santo e transcendente. O Senhor não se retirou no espaço inacessível do seu mistério, indiferente à nossa história e às nossas expectativas. Ele "vem governar a terra. Governará o mundo com justiça e os povos com equidade" (Sl 97, 9).
Deus veio para o meio de nós sobretudo no seu Filho, que se fez um de nós para infundir em nós a sua vida e a sua santidade. Por isso nós agora aproximamo-nos de Deus, não com terror, mas com confiança. De facto, temos em Cristo o sumo sacerdote santo, inocente, sem mancha. Ele "pode salvar perpetuamente os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder em seu favor" (Heb 7, 25). Então, o nosso cântico enche-se de serenidade e de alegria:  exalta o Senhor rei, que habita entre nós, enxugando todas as lágrimas dos nossos olhos (cf. Apoc 21, 3-4).

JOÃO PAULO II 
  AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 27 de Novembro de 2002













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