Salmo 99
1.Salmo de ação de graças. Aclamai o Senhor, por toda a terra.
2.Servi o Senhor com alegria. Vinde, entrai exultantes em sua presença.
3.Sabei que o Senhor é Deus: ele nos fez, e a ele pertencemos. Somos o seu povo e as ovelhas de seu rebanho.
4.Entrai cantando sob seus pórticos, vinde aos seus átrios com cânticos; glorificai-o e bendizei o seu nome,
5.porque o Senhor é bom, sua misericórdia é eterna e sua fidelidade se estende de geração em geração.
A alegria dos que entram no templo
1. A tradição de Israel impôs ao hino de louvor agora proclamado, Salmo 99, o título de "Salmo para a todáh", isto é, para a acção de graças no cântico litúrgico, e por isso adapta-se bem à entoação das Laudes matutinas. Nos poucos versículos deste alegre hino podem identificar-se três elementos significativos, de forma que tornam espiritualmente frutuoso o seu uso por parte da comunidade orante cristã.
2. Antes de tudo, encontra-se o apelo premente à oração, claramente descrita na sua dimensão litúrgica. É suficiente enumerar os verbos usados no imperativo que marcam o Salmo e são acompanhados por indicações de ordem cultual: "Aclamai..., servi ao Senhor com alegria, vinde à sua presença com cânticos de júbilo! Sabei que o Senhor é Deus... Entrai nos seus pórticos com acção de graças, entrai nos seus átrios com louvores, glorificai e bendizei o seu nome" (vv. 2-4). Uma série de convites não só para entrar na área sagrada do templo através dos seus pórticos e átrios (cf. Sl 14, 1; 23, 3.7-10), mas também a cantar hinos jubilosos a Deus.
É uma espécie de fio constante de louvor que nunca se interrompe, exprimindo-se numa contínua profissão de fé e de amor. Um louvor que se eleva da terra para Deus, e que ao mesmo tempo alimenta a alma do crente.
3. Desejaria reservar outra pequena observação ao início do cântico, onde o Salmista chama toda a terra a aclamar o Senhor (cf. v. 1). Sem dúvida, o Salmo dedicará depois toda a sua atenção ao povo eleito, mas o horizonte envolvido no louvor é universal, como acontece muitas vezes no Saltério, sobretudo nos chamados "hinos ao Senhor e Rei" (cf. Sl 95-98). O mundo e a história não estão nas mãos do destino, da confusão, de uma necessidade cega. Pelo contrário, são governados por um Deus que é ao mesmo tempo misterioso, mas que também deseja que a humanidade viva, de modo estável, relações justas e autênticas. Ele "fixou o orbe, não vacilará, governa os povos com equidade... governará a terra com justiça, e os povos na Sua fidelidade" (Sl 95, 10.13).
4. Por conseguinte, estamos todos nas mãos de Deus, Senhor e Rei, e todos o celebramos, confiantes de que Ele não nos deixará cair das Sua mãos de Criador e de Pai. A esta luz, pode apreciar-se melhor o terceiro elemento significativo do Salmo. No centro do louvor que o Salmista coloca nos nossos lábios, encontra-se de facto uma espécie de profissão de fé, expressa mediante uma série de atributos que definem a realidade íntima de Deus. Este credo fundamental contém as seguintes afirmações: o Senhor é Deus, o Senhor é o nosso criador, nós somos o seu povo, o Senhor é bom, o seu amor é eterno, a sua fidelidade não tem fim (cf. vv. 3-5).
5. Tem-se, em primeiro lugar, uma renovada confissão de fé no único Deus, como nos é pedido pelo primeiro mandamento do Decálogo; "Eu sou o Senhor, teu Deus... não terás outro Deus além de Mim" (Êx 20, 2.3). E como se repete muitas vezes na Bíblia: "Reconhece, agora, e grava no teu coração, que só o Senhor é Deus e que não há outro" (Dt 4, 39). Depois, é proclamada a fé em Deus criador, fonte do ser e da vida. Segue-se a afirmação, expressa através da chamada "fórmula da aliança", da certeza que Israel tem da eleição divina: "pertencemos-Lhe, somos o Seu povo e as ovelhas do Seu rebanho" (v. 3). É uma certeza que os fiéis do novo Povo de Deus fazem sua, na consciência de constituírem a grei que o Pastor supremo das almas conduz aos prados eternos do céu (cf. 1 Pd 2, 25).
6. Depois da proclamação do Deus uno, criador e fonte da aliança, o retrato do Senhor cantado pelo nosso Salmo continua com uma meditação de três qualidades divinas, muitas vezes exaltadas no Saltério: a bondade, o amor misericordioso (hésed), e a fidelidade. São as três virtudes que caracterizam a aliança de Deus com o seu povo; elas exprimem um vínculo que jamais será violado, dentro do fluxo das gerações e apesar do rio lamacento dos pecados, das rebeliões e das infidelidades humanas. Com confiança serena no amor divino que nunca virá a faltar, o povo de Deus encaminha-se na história com as suas tentações e debilidades quotidianas.
E esta confiança far-se-á cântico, ao qual por vezes as palavras já não bastam, como observa Santo Agostinho: "Quanto mais aumentar a caridade, tanto mais te darás conta do que dizias e não dizias. Com efeito, antes de saborear determinadas coisas, pensavas que podias utilizar palavras para indicar Deus; ao contrário, quando começaste a saboreá-lo, apercebeste-te de que não és capaz de explicar adequadamente aquilo que sentes. Mas se te aperceberes de que não sabes exprimir com as palavras o que sentes, deverás, por isso, permanecer calado e não louvar?... Não, certamente. Não serás tão ingrato. A Ele devemos a honra, o respeito, o maior louvor... Ouve o Salmo: "Terra inteira, louva o Senhor!". Compreenderás a alegria de toda a terra, se tu mesmo te alegras no Senhor" (Exposições sobre os Salmos III/1, Roma 1993, pág. 459).
JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 7 de Novembro de 2001
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