quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 18


Salmo 18
"Te Deum" - Hino a Deus Criador
1.Ao mestre de canto. Salmo de Davi.
2.Narram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos.
3.O dia ao outro transmite essa mensagem, e uma noite à outra a repete.
4.Não é uma língua nem são palavras, cujo sentido não se perceba,
5.porque por toda a terra se espalha o seu ruído, e até os confins do mundo a sua voz; aí armou Deus para o sol uma tenda.
6.E este, qual esposo que sai do seu tálamo, exulta, como um gigante, a percorrer seu caminho.
7.Sai de um extremo do céu, e no outro termina o seu curso; nada se furta ao seu calor.
8.A lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma; a ordem do Senhor é segura, instrui o simples.
9.Os preceitos do Senhor são retos, deleitam o coração; o mandamento do Senhor é luminoso, esclarece os olhos.
10.O temor do Senhor é puro, subsiste eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos igualmente justos.
11.Mais desejáveis que o ouro, que uma barra de ouro fino; mais doces que o mel, que o puro mel dos favos.
12.Ainda que vosso servo neles atente, guardando-os com todo o cuidado;
13.quem pode, entretanto, ver as próprias faltas? Purificai-me das que me são ocultas.
14.Preservai, também, vosso servo do orgulho; não domine ele sobre mim, então serei íntegro e limpo de falta grave.
15.Aceitai as palavras de meus lábios e os pensamentos de meu coração, na vossa presença, Senhor, minha rocha e meu redentor.

Meditação de São João Paulo II sobre o Salmo 18

Hino a Deus criador

1. O sol, com o seu progressivo resplandecer no céu, com o esplendor da sua luz, com o calor benéfico dos seus raios, conquistou a humanidade desde as suas origens. Os seres humanos manifestaram de muitas formas a sua gratidão por esta fonte de vida e de bem-estar com um entusiasmo que, com frequência, se eleva alcançando o cume da autêntica poesia. O maravilhoso Salmo 18, do qual foi proclamada a primeira parte, não é apenas uma oração em forma de hino com uma intensidade extraordinária; ele é também um cântico poético elevado ao sol e à sua irradiação sobre a terra. Nisto o salmista insere-se na longa série dos cantores do antigo Próximo Oriente, que exaltam o astro do dia que brilha nos céus e que domina longamente nas suas regiões com o seu calor ardente. Basta pensar no célebre hino a Anton, composto pelo Faraó Akhnaton no séc. XIV a.C., dedicado ao disco solar considerado uma divindade.

Mas para o homem da Bíblia há uma diferença radical em relação a estes hinos solares: o sol não é um Deus, mas uma criatura ao serviço do único Deus e criador. É suficiente recordar as palavras do Génesis: "Deus disse: Haja luzeiros no firmamento dos céus para diferenciarem o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos... Deus fez dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite... E Deus viu que isto era bom" (1, 14.16.18).

2. Antes de percorrer os versículos do Salmo escolhido pela Liturgia, lançamos um olhar ao seu conjunto. O Salmo 18 é parecido com um díptico. Na primeira parte (vv. 2-7) a que agora se tornou a nossa oração encontramos um hino ao Criador, cuja misteriosa grandeza se manifesta no sol e na lua. Ao contrário, na segunda parte do Salmo (vv. 8-15), encontramos um hino sapiencial à Torah, ou seja, à Lei de Deus.

As duas partes estão ligadas por uma orientação comum: Deus esclarece o universo com o brilho do sol e ilumina a humanidade com o esplendor da sua Palavra contida na Revelação bíblica.

Trata-se quase de um sol duplo: o primeiro é uma epifania cósmica do Criador, o segundo é uma manifestação histórica e gratuita de Deus Salvador. Não é por acaso que a Torah, a Palavra divina, é descrita com características "solares": "Os Seus mandamentos são luminosos, deleitam o coração" (cf. v. 9).

3. Mas, por agora, dirijamo-nos à primeira parte do Salmo. Ela inicia-se com uma maravilhosa personificação dos céus, que são para o Autor sagrado testemunhos eloquentes da obra criadora de Deus (vv. 2-5). De facto, eles "narram", "anunciam", as maravilhas da obra divina (cf. v. 2).

Também o dia e a noite são representados como mensageiros que transmitem a grande notícia da criação. Trata-se de um testemunho silencioso, que contudo se faz ouvir com vigor, como uma voz que percorre todo o universo.

Com o olhar interior da alma, com a intuição religiosa que não se deixa distrair pela superficialidade, o homem e a mulher podem descobrir que o mundo não é mudo, mas fala do Criador. Como diz o antigo sábio, "pela grandeza e beleza das criaturas pode-se, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Autor" (Sb 13, 5). Também São Paulo recorda aos Romanos que "desde a criação do mundo, as Suas (de Deus) perfeições invisíveis,... tornam-se visíveis quando as Suas obras são consideradas pela inteligência" (Rm 1, 20).

4. Depois, o hino começa a falar do sol. O globo luminoso é descrito pelo poeta inspirado como um herói guerreiro que sai do quarto nupcial onde passou a noite, isto é, sai do seio das trevas e inicia a sua corrida incansável no céu (vv. 6-7). É semelhante a um atleta que nunca para nem se cansa, enquanto todo o nosso planeta está envolvido pelo seu calor irresistível.

Por conseguinte, o sol é comparado a um esposo, a um herói, a um campeão que, por ordem divina, todos os dias deve realizar uma tarefa, uma conquista e uma corrida nos espaços siderais. E eis que o Salmista indica agora o sol irradiante no céu, enquanto a terra inteira está envolvida pelo seu calor, o ar é imóvel, nenhum ângulo do horizonte está privado da sua luz.
5. A imagem solar do Salmo é retomada pela liturgia pascal cristã para descrever o êxodo triunfador de Cristo da escuridão do sepulcro, e a sua entrada na plenitude da vida nova da ressurreição. A liturgia bizantina canta nas Matinas do Sábado Santo: "Assim como o sol surge depois da noite todo radiante na sua luminosidade renovada, assim também Vós, Verbo, resplandecereis com um brilho renovado quando, depois da morte, deixardes o vosso leito nupcial". Uma Estrofe (a primeira), a das Matinas de Páscoa relaciona a revelação cósmica com o acontecimento pascal de Cristo: "O céu rejubile e exulte com ele também a terra, porque todo o universo, o visível e o invisível, participa desta festa: Cristo, nossa alegria perene, ressuscitou". E outra Estrofe (a terceira) acrescenta: "Hoje todo o universo, céu, terra e abismo, está repleto de luz e toda a criação já canta a ressurreição de Cristo, nossa força e nossa alegria". Por fim, outra (a quarta) conclui: "Cristo, nossa Páscoa, levantou-se do túmulo como um sol de justiça irradiando sobre todos nós o esplendor da sua caridade".

A liturgia romana não é explícita como a oriental, ao comparar Cristo com o sol. Mas descreve as repercussões cósmicas da sua ressurreição, quando abre o seu cântico de Louvor na manhã de Páscoa com o famoso hino: "Aurora lucis rutilat, caelum resultat laudibus, mundos exultans iubilat, gemens infernus ululat" "A aurora resplandece de luz, o céu exulta de cânticos, o mundo rejubila dançando, o inferno geme com gritos".

6. Contudo, a interpretação cristã do Salmo não elimina a sua mensagem de base, que é um convite a descobrir a palavra divina que se encontra na criação. Sem dúvida, como será dito na segunda parte do Salmo, há outra Palavra, mais nobre, mais preciosa do que a própria luz, a da Revelação bíblica.

Contudo, para todos os que estão atentos na escuta e não têm os olhos velados, a criação constitui como que uma primeira revelação, que tem uma linguagem própria e eloquente: ela é quase outro livro sagrado, cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo. São João Crisóstomo afirma: "O silêncio dos céus é uma voz mais sonora do que a de uma trombeta: esta voz brada aos nossos olhos e não aos nossos ouvidos a grandeza de quem os fez" (PG 49, 105). E Santo Atanásio: "O firmamento, através da sua magnificência, da sua beleza, da sua ordem, é um pregador prestigioso do seu artífice, cuja eloquência enche o universo" (PG 27, 124)


Comentário de Santo Agostinho:

1 - "Para o fim. Salmo de Davi". O título é bem conhecido. Não é nosso Senhor Jesus Cristo quem falar tais coisas, mas a seu respeito são proferidas.
2 - "Narram os céus a glória de Deus". Os evangelistas são justo, nos quais Deus habita como nos céus. Eles expõem a glória de nosso Senhor Jesus Cristo, ou a glória que o Filho deu ao Pai, na terra. "E proclama o firmamento as obras de suas mãos". E o firmamento, devido ao temor, transformado em céu pela confiança conferida pelo Espírito Santo, anuncia os feitos poderosos do Senhor.
3 - "O dia ao dia profere a palavra". O Espírito revela aos espirituais o Verbo da imutável Sabedoria de Deus, isto é, que no princípio o Verbo era Deus, junto de Deus (Jo 1,1). "E a noite à noite anuncia a ciência". Também a mortalidade da carne, insinuando a fé aos homens carnais, como se estivessem longe, anuncia a futura ciência.
4 - "Não são linguagens, nem discursos, sons imperceptíveis", como se não tivessem sido ouvidas as vozes dos evangelistas, conquanto o Evangelho tenha sido pregado em todas as línguas.
5 - "Seu som repercutiu por toda a terra e em todo o orbe as suas palavras".






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