quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 107


Salmo 107

1.Cântico. Salmo de Davi.
2.Meu coração está firme, ó Deus, meu coração está firme; vou cantar e salmodiar. Desperta-te, ó minha alma;
3.despertai-vos, harpa e cítara; quero acordar a aurora.
4.Entre os povos, Senhor, vos louvarei; salmodiarei a vós entre as nações,
5.porque acima dos céus se eleva a vossa misericórdia, e até as nuvens a vossa fidelidade.
6.Resplandecei, ó Deus, nas alturas dos céus, e brilhe a vossa glória sobre a terra inteira.
7.Para ficarem livres vossos amigos, ajudai-nos com vossa mão, ouvi-nos.
8.Deus falou no seu santuário: Triunfarei, e me apoderarei de Siquém, medirei com o cordel o vale de Sucot.
9.Minha é a terra de Galaad, minha a de Manassés; Efraim será o elmo de minha cabeça; Judá, o meu cetro;
10.Moab, a bacia em que me lavo. Sobre Edom porei minhas sandálias, cantarei vitória sobre a Filistéia.
11.Quem me conduzirá à cidade fortificada? Quem me levará até Edom?
12.Quem, senão vós, Senhor, que nos repelistes, e já não andais à frente dos nossos exércitos?
13.Dai-nos auxílio contra o inimigo, porque é vão qualquer socorro humano.
14.Com Deus faremos proezas, ele esmagará os nossos inimigos.


Louvor a Deus e pedido de auxílio
Queridos irmãos e irmãs, 
1. O Salmo 107 que agora nos foi proposto faz parte da sequência dos Salmos da Liturgia das Laudes, objecto das nossas catequeses. Ele apresenta uma característica, à primeira vista, surpreendente. A composição não é mais do que a fusão de dois fragmentos de salmos pré-existentes, um tirado do Salmo 56 (vv. 8-12) e outro do Salmo 59 (vv. 7-14). O primeiro fragmento tem uma tonalidade hínica, o segundo uma marca suplicante, mas com um oráculo divino que confere ao orante serenidade e confiança.
Esta fusão dá origem a uma nova oração e isto torna-se exemplar para nós. Na realidade, também a liturgia cristã muitas vezes funde trechos bíblicos diferentes de forma que os transforma num texto novo, destinado a iluminar situações inéditas. Contudo, permanece o vínculo com a base originária. Na prática, o Salmo 107 (mas não é o único; veja-se, só para mencionar outro testemunho, o Salmo 143) mostra como já Israel no Antigo Testamento utilizava de novo e actualizava a Palavra de Deus revelada.
2. O Salmo que deriva desta combinação é, portanto, algo mais do que a simples soma ou justaposição dos dois trechos pré-existentes. Em vez de começar com uma humilde súplica como o Salmo 56, "Tende piedade de mim, ó Deus" (v. 2), o novo Salmo começa com um anúncio resoluto de louvor a Deus:  "O meu coração, Senhor, está contente, quero cantar-Vos e Louvar-Vos" (Sl 107, 2). Este louvor ocupa o lugar da lamentação que formava o começo do outro Salmo (cf. Sl 59, 1-6), e torna-se assim a base do oráculo seguinte (Sl 59, 8-10 = Sl 107, 8-10) e da súplica que o rodeia (Sl 59, 7.11-14 = Sl 107, 7.11-14).
Esperança e pesadelo fundem-se e tornam-se substância da nova oração, completamente orientada para dar confiança também no tempo da prova vivida por toda a comunidade.
3. Por conseguinte, o Salmo começa com um hino jubiloso de louvor. É um cântico matutino acompanhado da harpa e da cítara (cf. Sl 107, 3). A mensagem é límpida e tem no centro a "bondade" e a "verdade" divina (cf. v. 5):  em hebraico, hésed e 'emèt, são as palavras típicas para definir a fidelidade amorosa do Senhor em relação à aliança com o seu povo. Com base nesta fidelidade, o povo tem a certeza de que nunca será abandonado por Deus no abismo do nada e do desespero.
A nova leitura cristã interpreta este Salmo de maneira particularmente sugestiva. No v. 6 o Salmista celebra a glória transcendente de Deus:  "Elevai-Vos (ou seja, "sê exaltado"), Senhor, sobre os céus!". Ao comentar este Salmo, Orígenes, remete para a frase de Jesus:  "E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12, 32) que se refere à crucifixão. Ela tem como resultado o que afirma o versículo seguinte:  "Sejam livres os Vossos amigos" (Sl 107, 7). Então Orígenes conclui:  Que significado maravilhoso! O motivo pelo qual o Senhor é crucificado e exaltado é que os seus amados sejam livres... Realizou-se tudo o que pedimos:  ele foi exaltado e nós fomos libertados" (Orígenes-Jerónimo, 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pág. 367).
4. Passamos agora à segunda parte do Salmo 107, citação parcial do Salmo 59, como foi dito. Na angústia de Israel, que sente Deus ausente e distante ("Vós, Deus, que nos repelistes":  v. 12), ergue-se a voz do oráculo do Senhor que ressoa no templo (cf. vv. 8-10). Nesta revelação Deus apresenta-se como árbitro e senhor de toda a terra santa, da cidade de Siquém ao vale da Transjordânia, Sukkot, das regiões orientais de Galaad e Manassés às centro-meridionais de Efraim e Judá, alcançando também os territórios vassalos, mas estrangeiros, de Moab, Edom e Filisteia.
Com palavras vivas de inspiração militar ou com marcas jurídicas proclama-se o domínio divino sobre a terra prometida. Se o Senhor reina, não devemos temer:  não somos atirados para aqui e para ali pelas forças obscuras do destino ou da confusão. Há sempre, também nos momentos tenebrosos, um projecto superior que rege a história.
5. Esta fé acende a chama da esperança. Contudo, Deus indicará uma solução, ou seja, uma "cidade fortificada" colocada na região de Edom. Isto significa que, apesar da prova e do silêncio, Deus voltará a revelar-se, a apoiar e orientar o seu povo. Só d'Ele pode vir a ajuda decisiva e não das alianças militares externas, ou seja, da força das armas (cf. v. 13). E só com Ele se obterá a liberdade e se farão "obras grandiosas" (cf. v. 14).
Recordamos com São Jerónimo a última lição do Salmista, interpretada em chave cristã:  "Ninguém se deve perder por este caminho. Tens Cristo e tens receio? Será Ele a nossa força, o nosso pão, o nosso guia" (Breviarium in Psalmos, Ps. CVII:  PL 26, 1224).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 28 de Maio de 2003



Diretório Franciscano - Salmo 107 (Espanhol)


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