quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 26


Salmo 26

1.De Davi. O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei? O Senhor é o protetor de minha vida, de quem terei medo?
2.Quando os malvados me atacam para me devorar vivo, são eles, meus adversários e inimigos, que resvalam e caem.
3.Se todo um exército se acampar contra mim, não temerá meu coração. Se se travar contra mim uma batalha, mesmo assim terei confiança.
4.Uma só coisa peço ao Senhor e a peço incessantemente: é habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida, para admirar aí a beleza do Senhor e contemplar o seu santuário.
5.Assim, no dia mau ele me esconderá na sua tenda, ocultar-me-á no recôndito de seu tabernáculo, sobre um rochedo me erguerá.
6.Mas desde agora ele levanta a minha cabeça acima dos inimigos que me cercam; e oferecerei no tabernáculo sacrifícios de regozijo, com cantos e louvores ao Senhor.
7.Escutai, Senhor, a voz de minha oração, tende piedade de mim e ouvi-me.
8.Fala-vos meu coração, minha face vos busca; a vossa face, ó Senhor, eu a procuro.
9.Não escondais de mim vosso semblante, não afasteis com ira o vosso servo. Vós sois o meu amparo, não me rejeiteis. Nem me abandoneis, ó Deus, meu Salvador.
10.Se meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá.
11.Ensinai-me, Senhor, vosso caminho; por causa dos adversários, guiai-me pela senda reta.
12.Não me abandoneis à mercê dos inimigos, contra mim se ergueram violentos e falsos testemunhos.
13.Sei que verei os benefícios do Senhor na terra dos vivos!
14.Espera no Senhor e sê forte! Fortifique-se o teu coração e espera no Senhor!


Meditação de São João Paulo II

Confiança em Deus face aos perigos
1. Retomamos hoje o nosso itinerário no âmbito das Vésperas com o Salmo 26, que a liturgia distribui em dois trechos diferentes. Seguiremos agora a primeira parte deste díptico poético e espiritual (cf. vv. 1-6) que tem como pano de fundo o templo de Sião, sede do culto de Israel. Com efeito, o Salmista fala explicitamente de "casa do Senhor", de "santuário" (v. 4), de "refúgio, habitação, casa" (cf. vv. 5-6). Aliás, no original hebraico estas palavras indicam mais precisamente o "tabernáculo" e a "tenda", ou seja, o próprio coração do templo, onde o Senhor se revela com a sua presença e com a sua palavra. Recorda-se também o "rochedo" de Sião (cf. v. 5), lugar de segurança e de refúgio, e é feita alusão à celebração dos sacrifícios de agradecimento (cf. v. 6).
Por conseguinte, se a liturgia é a atmosfera em que o Salmo está mergulhado, o fio condutor da oração é a confiança em Deus, tanto no dia da alegria como no tempo do receio.
2. A primeira parte do Salmo, que agora meditamos, está marcada por uma grande serenidade, fundada na confiança em Deus no dia tenebroso do assalto dos malvados. As imagens usadas para descrever estes adversários, que são o sinal do mal que corrompe a história, são de dois tipos. Por um lado, parece que há uma imagem de caça feroz:  os malvados são como feras que avançam  para  se  apoderar  da  sua vítima  e  para  devorar  a  sua  carne, mas resvalam e caem (cf. v. 2). Por outro lado, há o símbolo militar de um assalto realizado por um exército inteiro:  trata-se de uma batalha que se alastra impetuosa,  semeando  terror  e  morte (cf. v. 3).
A vida do crente muitas vezes é submetida a tensões e contestações, por vezes também a uma recusa e até à perseguição. O comportamento do homem justo incomoda, porque ressoa como uma admoestação em relação aos prepotentes e pervertidos. Reconhecem isto sem meios termos os ímpios descritos no Livro da Sabedoria:  o justo "tornou-se para nós uma condenação dos nossos sentimentos"; o justo "tornou-se uma viva censura para os nossos pensamentos; só o acto de o vermos nos incomoda, pois a sua vida não é semelhante à dos outros e os seus caminhos são muito diferentes" (2, 14-15).
3. O fiel tem consciência de que a coerência cria isolamento e até provoca desprezo e hostilidade numa sociedade que muitas vezes escolhe como estandarte a vantagem pessoal, o sucesso exterior, a riqueza, o prazer desenfreado. Contudo, ele não está só e o seu coração conserva uma paz interior surpreendente, porque como diz a maravilhosa "antífona" de abertura do Salmo "o Senhor é minha luz e salvação" (Sl 26, 1). Repete continuamente:  "de quem terei medo?... quem me assustará?... o meu coração não temerá... ainda assim terei confiança" (vv. 1-3).
Parece que quase ouvimos a voz de São Paulo que proclama:  "Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?" (Rm 8, 31). Mas a tranquilidade interior, a fortaleza de ânimo e a paz são um dom que se obtém refugiando-se no templo, isto é, recorrendo à oração pessoal e comunitária.
4. Com efeito, o orante entrega-se nos braços de Deus e o seu sonho é expresso também por outro Salmo (cf. 22, 6):  "habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida". Nela ele pedirá "para saborear o seu encanto" (Sl 26, 4), contemplar e animar o mistério divino, participar na liturgia sacrifical e elevar os seus louvores ao Deus libertador (cf. v. 6). O Senhor cria à volta do seu fiel um horizonte de paz, que deixa fora o tumulto do mal. A comunhão com Deus é fonte de serenidade, de alegria, de tranquilidade; é como entrar num oásis de luz e de amor.
5. Ouçamos agora, como conclusão da nossa reflexão as palavras do monge Isaías, de origem síria, que viveu no deserto egípcio e faleceu por volta de 491. No seu Asceticon ele aplica o nosso Salmo à oração na tentação:  "Se vemos os inimigos que nos circundam com a sua astúcia, isto é, com a acídia, quer porque enfraquecem a nossa alma no prazer, quer porque não contemos a nossa cólera contra o próximo quando ele age contra o seu dever, ou se oprimem os nossos olhos para os conduzir à concupiscência, ou se nos querem induzir a saborear os prazeres da gula, se fazem com que, para nós, a palavra do próximo seja como que um veneno, se nos fazem subestimar a palavra de outrem, se nos levam a fazer diferenças entre os fiéis dizendo:  "Este é bondoso, aquele é maldoso":  portanto, se todas estas coisas nos circundam, não desanimemos, mas ao contrário, como David, brademos com o coração firme, dizendo:  "O Senhor é o baluarte da minha vida!" (Sl 26, 1)" (Recueil ascétique, Bellefontaine, 1976, pág. 211).

AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 21 de Abril de 2004


Oração do inocente perseguido
1. A Liturgia das Vésperas subdividiu em duas partes o Salmo 26, seguindo a própria estrutura do texto que é semelhante a um díptico. Proclamámos agora a segunda parte deste cântico de confiança que se eleva ao Senhor no dia tenebroso do ataque do mal. São os versículos 7-14 do Salmo: eles começam com um brado dirigido ao Senhor: "tem compaixão de mim e responde-me" (v. 7), porque expressam uma busca intensa do Senhor, com o doloroso receio de ser abandonado por ele (cf. vv. 8-9) e, por fim, apresentam aos nossos olhos um horizonte dramático onde os próprios afectos familiares vêm a faltar (cf. v. 10) enquanto neles se movem "inimigos" (v. 11), "adversários" e "falsas testemunhas" (v. 12).
Mas também agora, como na primeira parte do Salmo, o elemento decisivo é a confiança que o orante tem no Senhor, que salva na prova e dá apoio durante a tempestade. A este propósito, é bonito o apelo que no final o Salmista dirige a si próprio: "Confia no Senhor! Sê forte e corajoso e confia no Senhor!" (v. 14; cf. Sl 41, 6-12 e 42, 5).
Também noutros Salmos se fazia sentir a certeza de que do Senhor se obtém fortaleza e esperança: "O Senhor protege os seus fiéis, mas castiga com rigor os orgulhosos. Tende coragem e fortalecei o vosso coração todos vós, que esperais no Senhor" (Sl 30, 24-25). Já o profeta Oseias exorta Israel da seguinte forma: "guarda a misericórdia e a justiça, e espera sempre no teu Deus" (12, 7).
2. Contentamo-nos agora com realçar três elementos simbólicos de grande intensidade espiritual. O primeiro deles é o negativo do pesadelo dos inimigos (cf. Sl 26, 12). Eles são caracterizados como uma fera que "cobiça" a sua presa e depois, de maneira mais directa, como "falsas testemunhas" que parecem soprar pelo nariz a violência, precisamente como as feras diante das suas vítimas.
Por conseguinte, no mundo existe um mal agressivo, que encontra em Satanás o guia e o inspirador, como recorda São Pedro: "O vosso adversário, o demónio, como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar" (1 Pd 5, 8).
3. A segunda imagem ilustra de modo claro a confiança serena e fiel, apesar do abandono até por parte dos pais: "Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor há-de acolher-me" (Sl 26, 10).
Também na solidão e na perda dos afectos mais queridos, o orante nunca está totalmente sozinho porque Deus misericordioso se inclina sobre ele. O pensamento corre para um célebre trecho do profeta Isaías, que confere a Deus sentimentos de compaixão e de ternura mais do que maternas: "Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria" (49, 15).
Recordemos a todas as pessoas idosas, doentes, esquecidas por todos, às quais ninguém jamais fará uma carícia, estas palavras do Salmista e do profeta, para que sintam a mão paterna e materna do Senhor acariciar silenciosamente e com amor os seus rostos sofredores e talvez assinalados pelas lágrimas.
4. Assim, chegamos ao terceiro e último símbolo, reiterado várias vezes pelo Salmo: "os meus olhos te procuram, é a Tua face que eu procuro, Senhor, não desvies de mim o teu rosto" (cf. vv. 8-9). Por conseguinte, é o rosto de Deus a meta da busca espiritual do orante. Por fim emerge uma certeza indiscutível, a de poder "contemplar a bondade do Senhor" (v. 13).
Na linguagem dos Salmos "procurar o rosto do Senhor" muitas vezes é sinónimo da entrada no templo para celebrar e experimentar a comunhão com o Deus de Sião. Mas a expressão inclui também a experiência mística da intimidade divina mediante a oração. Por conseguinte, na liturgia e na oração pessoal é-nos concedida a graça de intuir aquele rosto que nunca poderemos ver directamente durante a nossa existência terrena (cf. Êx 33, 20). Mas Cristo revelou-nos, de uma maneira acessível, o rosto divino e prometeu que no encontro definitivo da eternidade como nos recorda São João "o veremos tal como Ele é" (1 Jo 3, 2). E São Paulo acrescenta: "veremos face a face" (1 Cor 13, 12).
5. Ao comentar este Salmo, o grande escritor cristão do terceiro século, Orígenes, assim anota: "Se um homem procurar o rosto do Senhor, verá a glória do Senhor de maneira revelada e, tendo-se tornado igual aos anjos, verá sempre o rosto do Pai que está no céu" (PG 12, 1281). E Santo Agostinho, no seu comentário aos Salmos, continua da seguinte forma a oração do Salmista: "Não procurei em Ti prémio algum que não esteja em Ti, mas o teu rosto. "É o Teu rosto, Senhor, que procuro". Insistirei com perseverança nesta busca; de facto, não procurarei algo de pouco valor, mas o Teu rosto, ó Senhor, para te amar gratuitamente, visto que nada encontro de mais precioso... "Não te afastes encolerizado do Teu servo", para que ao procurar-te, não me depare com outras coisas. Que pena pode ser mais grave do que esta para quem ama e procura a verdade do Teu rosto?" (Exposições sobre os Salmos, 26, 1, 8-9), Roma 1967, pp. 355 e 357).

AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 28 de Abril de 2004



Salmo 26 - Diretório Franciscano (Espanhol)


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