quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 92


Salmo 92

1.O Senhor é rei e se revestiu de majestade, ele se cingiu com um cinto de poder. A terra, que com firmeza ele estabeleceu, não será abalada.
2.Desde toda a eternidade vosso trono é firme e vós, vós desde sempre existis.
3.Elevam os rios, Senhor, elevam os rios a sua voz, e fazem eclodir o fragor de suas ondas.
4.Porém, mais poderoso que a voz das grandes águas, mais poderoso que os vagalhões do mar, mais poderoso é o Senhor nas alturas do céu.
5.Vossas promessas são sempre dignas de fé, e a vossa casa, Senhor, é santa na duração dos séculos.

O poder de Deus Criador
1. O conteúdo do Salmo 92, sobre o qual  hoje  nos  detemos,  é  sugestivamente  expresso  por  alguns  versículos do  Hino  que  a  Liturgia  das  Horas propõe para as vésperas da segunda-feira:  "Ó imenso criador, / que ao ímpeto das correntes marcastes o percurso e o limite / na harmonia da criação / tu que à áspera solidão / da terra sequiosa /deste o refrigério / das correntes e dos mares".
Antes de entrar no coração do Salmo, dominado pela imagem das águas, desejamos captar a sua tonalidade de fundo, o género literário que o domina. De facto, este Salmo, como os Salmos 95-98, é definido pelos estudiosos da Bíblia como "o cântico do Senhor rei". Exalta aquele Reino de Deus, fonte de paz, de verdade e de amor, que nós invocamos no "Pai-Nosso" quando imploramos:  "Venha a nós o Vosso Reino!".
Com efeito, o Salmo 92 começa precisamente com uma exclamação de júbilo que diz assim:  "Reina o Senhor" (v. 1). O Salmista celebra a realeza de Deus, isto é, a sua acção eficaz e salvífica, criadora do mundo e redentora do homem. O Senhor não é um imperador impassível, confinado no seu céu distante, mas está presente no meio do seu povo como Salvador poderoso e grande no amor.
2. Na primeira parte do hino de louvor prevalece o Senhor rei. Como um soberano Ele senta-se num trono de glória, um trono inabalável e eterno (cf. v. 2). O seu manto é o esplendor da transcendência, o cinto das suas vestes é a omnipotência (cf. v. 1). Precisamente a soberania omnipotente de Deus revela-se no centro do Salmo, caracterizado por uma imagem impressionante, a das águas caudalosas.
O Salmista menciona de modo mais particular a "voz" dos rios, ou seja, o bramido das suas águas. Efectivamente, o fragor de grandes cataratas produz, sobre aqueles que estão ensurdecidos e com todo o seu corpo tomado pelo estremecimento, uma sensação de grande força. O Salmo 41 recorda esta sensação quando diz:  "O abismo chama outro abismo no fragor das vossas cataratas.
Todas as vossas vagas e torrentes passaram sobre mim" (v. 8). Face a esta força da natureza o ser humano sente-se pequeno. Mas o Salmista usa-a como trampolim para exaltar o poder, muito maior, do Senhor. À tripla repetição da expressão "as correntes elevam" (cf. Sl 92, 3) a sua voz, corresponde a tripla afirmação do poder superior de Deus.
3. Os Padres da Igreja gostam de comentar este Salmo aplicando-o a Cristo "Senhor e Salvador". Orígenes, traduzido por São Jerónimo em latim, afirma:  "O Senhor reinou, revestiu-se de beleza. Isto é:  aquele que anteriormente tinha tremido na miséria da carne, resplandece agora na majestade da divindade". Para Orígenes, os rios e as águas que elevam as suas vozes representam as "figuras eminentes dos profetas e dos apóstolos", que "proclamam o louvor e a glória do Senhor, anunciam os seus juízos para todo o mundo" (cf. 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pp. 666 e 669).
Santo Agostinho desenvolve de modo ainda mais amplo o símbolo das correntes e dos mares. Como rios repletos de águas fluentes, isto é, cheios do Espírito Santo e fortificados, os Apóstolos já não têm receio e finalmente levantam a sua voz. Mas "quando Cristo começou a ser anunciado por tantas vozes, o mar começou a agitar-se". Na agitação do mar do mundo escreve Agostinho parece que a barca da Igreja flutua receosa, contrariada por ameaças e perseguições, mas "no alto, o Senhor é admirável":  ele "caminhou sobre as águas do mar e acalmou o seu fragor" (Exposições sobre os salmos, III, Roma 1976, pág. 231).
4. Mas o Deus soberano de todas as coisas, omnipotente e invencível, está sempre próximo do seu povo, ao qual dá os seus ensinamentos. Eis a ideia que o Salmo 92 oferece no seu último versículo:  ao trono altíssimo do céu sucede o trono da arca do templo de Jerusalém, o poder da sua voz cósmica é substituído pela doçura da sua palavra santa e inefável:  "São dignos de fé os Vossos testemunhos, da Vossa casa é própria a santidade, ó Senhor, por toda a extensão dos dias" (v. 5).
Encerra-se desta maneira um hino breve mas de grande intensidade. É uma oração que gera confiança e esperança nos fiéis que muitas vezes se sentem agitados, receosos de serem arrastados pela tempestade da história e atingidos por ameaçadoras forças obscuras.
Podemos reconhecer um eco deste Salmo no Apocalipse de João, quando o Autor inspirado, ao descrever a grande assembleia celeste celebra a derrocada da Babilónia opressiva, e afirma:
"Ouvi, então, como que a voz de uma grande multidão, como o ruído de muitas águas e como o ribombar de grandes trovões que dizia:  "Aleluia! Eis que o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso, tomou posse do Seu Reino"" (19, 6).
5. Concluímos a nossa reflexão sobre o Salmo 92 dando a palavra a São Gregório de Nazianzo, o "teólogo" por excelência entre os Padres. Fazemo-lo com um seu bonito cântico no qual o louvor a Deus, soberano e criador, assume um aspecto trinitário:  "Tu [Pai], criaste o universo, a cada coisa atribuíste o lugar que lhe compete e tudo mantiveste em virtude da tua providência... é Deus-Filho o teu Verbo:  de facto, é consubstancial ao Pai, e igual a Ele na honra. Ele conciliou harmoniosamente o universo, para reinar sobre tudo. E, abraçando tudo, o Espírito Santo, Deus, de tudo cuida e tudo defende. A Ti proclamarei, Trindade viva, como único e só monarca... força inabalável que rege os céus, cuja visão não é acessível aos olhos mas que contempla todo o universo e conhece qualquer profundidade secreta da terra até aos abismos. Ó Pai, sê benigno comigo:  ... que eu possa encontrar misericórdia e graça, porque a ti são dadas glória e graças até ao fim dos tempos" (Cântico 31, em Poesias/1, Roma 1994, pp. 65-66).

JOÃO PAULO II 
  AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 3 de Julho de 2002


Diretório Franciscano - Salmo 92 (Espanhol)




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