quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 83


Salmo 83

1.Ao mestre de canto. Com a Gitiena. Salmo dos filhos de Coré.
2.Como são amáveis as vossas moradas, Senhor dos exércitos!
3.Minha alma desfalecida se consome suspirando pelos átrios do Senhor. Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo.
4.Até o pássaro encontra um abrigo, e a andorinha faz um ninho para pôr seus filhos. Ah, vossos altares, Senhor dos exércitos, meu rei e meu Deus!
5.Felizes os que habitam em vossa casa, Senhor: aí eles vos louvam para sempre.
6.Feliz o homem cujo socorro está em vós, e só pensa em vossa santa peregrinação.
7.Quando atravessam o vale árido, eles o transformam em fontes, e a chuva do outono vem cobri-los de bênçãos.
8.Seu vigor aumenta à medida que avançam, porque logo verão o Deus dos deuses em Sião.
9.Senhor dos exércitos, escutai minha oração, prestai-me ouvidos, ó Deus de Jacó.
10.Ó Deus, nosso escudo, olhai; vede a face daquele que vos é consagrado.
11.Verdadeiramente, um dia em vossos átrios vale mais que milhares fora deles. Prefiro deter-me no limiar da casa de meu Deus a morar nas tendas dos pecadores.
12.Porque o Senhor Deus é nosso sol e nosso escudo, o Senhor dá a graça e a glória. Ele não recusa os seus bens àqueles que caminham na inocência.
13.Ó Senhor dos exércitos, feliz o homem que em vós confia.


Desejo do templo do Senhor
1. Damos continuidade ao nosso itinerário no âmbito dos Salmos da Liturgia das Laudes. Ouvimos agora o Salmo 83, atribuído pela tradição judaica "aos filhos de Coré", uma família sacerdotal que se ocupava do serviço litúrgico e guardava a entrada da tenda da arca da Aliança (cf. 1 Cor 9, 19).
Trata-se de um cântico muito suave, repassado por uma aspiração mística ao Deus da vida, celebrado várias vezes (cf. Sl 83, 2.4.9.13) com o título de "Senhor dos exércitos", isto é, Senhor das estrelas e, por conseguinte, do universo. Por outro lado, este título estava relacionado especialmente com a arca conservada no templo, chamada "a arca do Deus dos exércitos que se senta sobre os querubins" (1 Sm 4, 4; cf. Sl 79, 2). De facto, ela era sentida como o sinal da protecção divina nos dias do perigo e da guerra (cf. 1 Sm 4, 3-5; 2 Sm 11, 11).
O quadro de todo o Salmo está representado pelo templo para o qual se dirige a peregrinação dos fiéis. A estação parece ser a outonal, porque se fala da "primeira chuva" que alivia a aridez do Verão (cf. Sl 83, 7). Por isso, poderíamos pensar na peregrinção rumo a Sião, para a terceira festividade principal do ano hebraico, a dos Tabernáculos, memória da peregrinação de Israel no deserto.
2. O templo está presente com todo o seu fascínio desde o início até ao fim do Salmo. Na abertura (cf. vv. 2-4) encontramos a admirável e delicada imagem das aves que construíram os seus ninhos no santuário, privilégio invejável.
Esta é uma representação da felicidade de todos os que como os sacerdotes do templo têm uma residência fixa na Casa de Deus, gozando da sua intimidade e da sua paz. Com efeito, todo o ser do crente está orientado para o Senhor, estimulado por um desejo quase físico e instintivo:  "A minha alma desfalece e consome-se pelos átrios do Senhor. O meu coração e a minha carne gritam de alegria de encontro ao Deus vivo" (v. 3). Depois, o templo volta a aparecer no fim do Salmo (cf. vv. 11-13). O peregrino exprime a sua grande felicidade de estar algum tempo nos átrios da casa de Deus e opõe esta felicidade espiritual à ilusão idólatra, que impulsiona para as "tendas dos ímpios", isto é, os templos aviltantes da injustiça e da perversão.
3. Só no santuário do Deus vivo existem a luz, a vida e a alegria, e é "bem-aventurado todo aquele que confia" no Senhor, escolhendo o caminho da rectidão (cf. vv. 12, 13). A imagem do caminho conduz-nos ao centro do Salmo (cf. vv. 5-9), onde se desenvolve outra peregrinação mais significativa. Se é bem-aventurado aquele que habita no templo de maneira estável, é muito mais bem-venturado aquele que decide empreender uma viagem de fé até Jerusalém.
Também os Padres da Igreja nos seus comentários ao Salmo 83 dão um realce particular ao v. 6:  "Felizes os que em Vós têm a sua força, que têm a peito as peregrinações". As antigas traduções do Saltério falavam da decisão de realizar as "ascensões" rumo à cidade santa. Portanto, para os Padres, a peregrinação a Sião tornava-se o símbolo do progresso contínuo dos justos para as "tendas eternas", onde Deus acolhe os seus amigos na alegria total (cf. Lc 16, 9).
Gostaríamos de nos deter um momento acerca desta "ascensão" mística, que tem na peregrinação terrena uma imagem e um sinal. E fá-lo-emos com as palavras de um escritor cristão do século VII, abade do mosteiro do Sinai.
4. Trata-se de São João Clímaco, que dedicou um tratado inteiro A Escada do Paraíso para explicar os numerosos degraus pelos quais a vida espiritual se eleva. No fim da sua obra ele cede a palavra à própria caridade, situada no cimo da escada do progresso espiritual.
É ela que convida e exorta, propondo sentimentos e atitudes que já foram sugeridos pelo nosso Salmo:  "Subi, irmãos, ascendei. Cultivai, no vosso coração o profundo desejo de subir sempre (cf. 83, 6). Escutai as Escrituras que convidam:  "Vinde, subamos à Montanha do Senhor, à Casa do Deus de Jacob" (Is 2, 3), que fez os nossos pés rápidos como os de um cervo e nos indicou como meta um lugar sublime, para que, seguindo as suas veredas, saíssemos vencedores (cf. Sl 17, 33). Apressemo-nos, então, todos como está escrito enquanto não tivermos encontrado, na unidade da fé, o rosto de Deus, e reconhecendo-O, não tivermos alcançado o homem perfeito na maturidade completa da idade de Cristo (cf. Ef 4, 13)" (A  Escada  do  Paraíso,  Roma  1989, pág. 355).
5. Em primeiro lugar, o Salmista pensa na peregrinação concreta que, de Sião, conduz às várias localidades da Terra Santa. A chuva que está a cair parece ser uma antecipação das bênçãos jubilosas que o envolverão como um manto (cf. Sl 83, 7) quando estiver diante do Senhor no templo (cf. v. 8). A viagem cansativa através "do vale do pranto" (cf. v. 7) é transfigurada pela certeza de que a meta é Deus, aquele que dá vigor (cf. v. 8), escuta a súplica do fiel (cf. v. 9)  e  torna-se  o  seu  "escudo" protector (cf. v. 10).
É precisamente nesta luz que a peregrinação concreta se transforma como intuíram os Padres numa parábola da vida inteira, passada entre o afastamento e a intimidade com Deus, entre o mistério e a revelação. Também no deserto da existência quotidiana, os seis dias de trabalho semanal são fecundados, iluminados e santificados pelo encontro com Deus no sétimo dia através da liturgia e da oração.
Caminhemos, então, também quando estamos no "vale do pranto", tendo o olhar fixo naquela meta luminosa de paz e de comunhão. Também nós repetimos no nosso coração a bem-aventurança final, semelhante a uma antífona que conclui o Salmo:  "Senhor dos exércitos, feliz o homem que em vós confia!" (v. 13).

JOÃO PAULO II 
  AUDIÊNCIA GERAL
Castelgandolfo, 28 de Agosto  de 2002



Diretório Franciscano - Salmo 83 (Espanhol)


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