quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 71


Salmo 71


1.De Salomão. Ó Deus, confiai ao rei os vossos juízos. Entregai a justiça nas mãos do filho real,
2.para que ele governe com justiça vosso povo, e reine sobre vossos humildes servos com eqüidade.
3.Produzirão as montanhas frutos de paz ao vosso povo; e as colinas, frutos de justiça.
4.Ele protegerá os humildes do povo, salvará os filhos dos pobres e abaterá o opressor.
5.Ele viverá tão longamente como dura o sol, tanto quanto ilumina a lua, através das gerações.
6.Descerá como a chuva sobre a relva, como os aguaceiros que embebem a terra.
7.Florescerá em seus dias a justiça, e a abundância da paz até que cesse a lua de brilhar.
8.Ele dominará de um ao outro mar, desde o grande rio até os confins da terra.
9.Diante dele se prosternarão seus inimigos, e seus adversários lamberão o pó.
10.Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão presentes, os reis da Arábia e de Sabá oferecer-lhe-ão seus dons.
11.Todos os reis hão de adorá-lo, hão de servi-lo todas as nações.
12.Porque ele livrará o infeliz que o invoca, e o miserável que não tem amparo.
13.Ele se apiedará do pobre e do indigente, e salvará a vida dos necessitados.
14.Ele o livrará da injustiça e da opressão, e preciosa será a sua vida ante seus olhos.
15.Assim ele viverá e o ouro da Arábia lhe será ofertado; por ele hão de rezar sempre e o bendirão perpetuamente.
16.Haverá na terra fartura de trigo, suas espigas ondularão no cume das colinas como as ramagens do Líbano; e o povo das cidades florescerá como as ervas dos campos.
17.Seu nome será eternamente bendito, e durará tanto quanto a luz do sol. Nele serão abençoadas todas as tribos da terra, bem-aventurado o proclamarão todas as nações.
18.Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, que, só ele, faz maravilhas.
19.Bendito seja eternamente seu nome glorioso, e que toda a terra se encha de sua glória. Amém! Amém!
20.Aqui terminam as preces de Davi, filho de Jessé.


O poder real do Messias
1. A Liturgia das Vésperas, cujos textos sálmicos e cânticos estamos a comentar progressivamente, propõe em duas etapas um dos Salmos mais preciosos da tradição judaica e cristã, o Salmo 72 [71], um canto real que os Padres da Igreja meditaram e voltaram a interpretar em chave messiânica.
Agora, escutámos o primeiro grande movimento desta solene oração (cf. vv. 1-11). Ele começa com uma intensa invocação coral a Deus, para que conceda ao soberano aquele dom que é fundamental para o bom governo, a justiça. Ela é exercida sobretudo em relação aos pobres que, geralmente, são as vítimas do poder.
Observar-se-á a particular insistência com que o Salmista realça o compromisso moral de governar o povo segundo a justiça e o direito: "Ó Deus, concede ao rei a tua rectidão e a tua justiça ao filho do rei, para que julgue o teu povo com justiça e os teus pobres com equidade. [...] Que o rei proteja os humildes do povo" (vv. 1-2.4).
Assim como o Senhor governa o mundo segundo a justiça (cf. Sl 35, 7), também o rei, que é o seu representante visível sobre a terra segundo a antiga concepção bíblica deve adaptar-se à acção do seu Deus.
2. Se se violam os direitos dos pobres, não só se realiza um acto politicamente injusto e iníquo do ponto de vista moral. Para a Bíblia, perpetra-se também um acto contra Deus, um crime religioso, porque o Senhor é o tutor e o defensor dos miseráveis e dos oprimidos, das viúvas e dos órfãos (cf. Sl 67, 6), ou seja, daqueles que não têm protectores humanos.
É fácil intuir como a tradição substituiu a figura, muitas vezes decepcionante, do rei davídico já a partir da derrocada da monarquia de Judá (séc. VI a.C) com a fisionomia luminosa e gloriosa do Messias, na linha da esperança profética expressa por Isaías: "[Ele] julgará os pobres com justiça, e com equidade os humildes da terra" (11, 4). Ou então, segundo o anúncio de Jeremias: "Dias virão em que farei brotar de David um rebento justo que será rei, governará com sabedoria e exercerá no país o direito e a justiça oráculo do Senhor" (23, 5).
3. Depois desta profunda e apaixonada imploração do dom da justiça, o Salmo amplia o horizonte e contempla o reino messiânico-real no seu desenvolvimento ao longo das suas coordenadas, tanto do tempo como do espaço. Com efeito, por um lado exalta-se a sua duração na história (cf. Sl 71, 5.7). As imagens de tipo cósmico são vivazes: de facto, elas contêm o correr dos dias, cadenciados pelo sol e pela lua, mas também a passagem das estações, com a chuva e o florescimento.
Portanto, um reino fecundo e sereno, mas inserido sempre na linha daqueles valores que são capitais: a justiça e a paz (cf. v. 7). Estes são os sinais do ingresso do Messias na nossa história. Nesta perspectiva, é iluminador o comentário dos Padres da Igreja, que vêem naquele rei-Messias o rosto de Cristo, rei eterno e universal.
4. Assim São Cirilo de Alexandria, na sua Explanatio in Psalmos observa que o juízo, que Deus dá ao rei, é o mesmo de que fala São Paulo, "o plano... [de] submeter tudo a Cristo" (Ef 9-10). Com efeito, "nos seus dias florescerá a justiça e transbordará a paz", como que para dizer que "nos dias de Cristo, por meio da fé, surgirá para nós a justiça, e da nossa orientação para Deus a paz brotará sobejamente para nós". De resto, precisamente nós somos os "miseráveis" e os "filhos dos pobres", que este rei socorre e salva: e se, em primeiro lugar, ele "chama "miseráveis" aos santos apóstolos, porque eram pobres de espírito, contudo salvou-nos enquanto "filhos dos pobres", justificando-nos e santificando-nos na fé por meio do Espírito" (PG LXIX, 1180).
5. Por outro lado, o Salmista delineia também o âmbito espacial em que se insere a realeza de justiça e de paz do rei-Messias (cf. Sl 71, 8-11). Aqui, entra em cena uma dimensão universalista que vai desde o Mar Vermelho ou do Mar Morto até ao Mediterrâneo, desde o Eufrates, o grande "rio" oriental, até aos extremos confins da terra (cf. v. 8), evocados também por Társis e pelas ilhas, os territórios ocidentais mais remotos, segundo a antiga geografia bíblica (cf. v. 10). Trata-se de um olhar que se estende sobre o mapa do mundo inteiro então conhecido, que empenha Árabes e nómades, soberanos de Estados longínquos e até mesmo inimigos, num abraço universal, não raro cantado pelos Salmos (cf. Sl 46, 10; 86, 1-7) e pelos profetas (cf. Is 2, 1-5; 60, 1-22; Ml 1, 11).
Assim, a confirmação ideal desta visão poderia ser formulada precisamente com as palavras de um profeta, Zacarias, palavras que os Evangelhos aplicarão a Cristo: "Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti, Ele é justo... Ele exterminará os carros de guerra da terra de Efraim e os cavalos de Jerusalém; o arco de guerra será quebrado. Proclamará a paz para as nações. O seu império irá de um mar ao outro e do rio às extremidades da terra" (Zc 9, 9-10; cf. Mt 21, 5).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 1 de Dezembro de 2004

Reino de paz e de bênção
1. A Liturgia das Vésperas, que estamos a acompanhar através da série dos seus Salmos, propõe-nos em duas etapas distintas o Salmo 72 [71], um hino real-messiânico. Depois de já ter meditado a primeira parte (cf. vv. 1-11), agora temos à nossa frente o segundo movimento poético e espiritual deste cântico dedicado à gloriosa figura do rei Messias (cf. vv. 12-19). Porém, devemos observar imediatamente que o final dos últimos dois versículos (cf. vv. 18-19) é, na realidade, um acréscimo litúrgico sucessivo ao Salmo.
Com efeito, trata-se de uma breve mas intensa bênção que devia selar o segundo dos cinco livros, em que a tradição judaica tinha subdividido a colectânea dos 150 Salmos: este segundo livro tinha começado com o Salmo 42 [41], o da corça sequiosa, símbolo luminoso da sede espiritual de Deus. Pois bem, é um cântico de esperança numa era de paz e de justiça, que conclui aquela sequência de Salmos, e as palavras da bênção final são uma exaltação da presença eficaz do Senhor, tanto na história da humanidade, onde "realiza maravilhas" (Sl 72 [71], 18), como no universo repleto da sua glória (cf. v. 19).
2. Como já se podia ver na primeira parte do Salmo, o elemento decisivo para reconhecer a figura do rei messiânico é sobretudo a justiça e o seu amor pelos pobres (cf. vv. 12-14). Eles têm como ponto de referência e fonte de esperança somente Ele, enquanto é o representante visível do seu único defensor e padroeiro, Deus. A história do Antigo Testamento ensina que os soberanos de Israel, na realidade, desmentiram com demasiada frequência este seu compromisso, prevaricando sobre os fracos, os miseráveis e os pobres.
É por isso que, agora, o olhar do Salmista visa um rei justo, perfeito, encarnado pelo Messias, o único soberano pronto a livrar os oprimidos "da opressão e da violência" (cf. v. 14). O verbo hebraico utilizado é o jurídico, do protector dos últimos e das vítimas, aplicado também a Israel "resgatado" da escravidão quando era oprimido pelo poder do faraó.
O Senhor é o "salvador-redentor" primário, que actua através do rei-Messias, salvaguardando "a vida e o sangue" dos pobres, seus protegidos. Pois bem, "vida" e "sangue" são a realidade fundamental da pessoa, é a representação dos direitos e da dignidade de cada ser humano, direitos muitas vezes violados pelos poderosos e pelos prepotentes deste mundo.
3. Na sua redacção original, o Salmo 72 [71] termina antes da antífona final, à qual já nos referimos, com uma aclamação em honra do rei-Messias (cf. vv. 15-17). Ela é semelhante a um toque de corneta, que acompanha um coro de bons votos e de auspícios para o soberano, para a sua vida, para o seu bem-estar, para a sua bênção e para a permanência da sua recordação nos séculos.
Naturalmente, encontramo-nos na presença de elementos que pertencem ao estilo das conciliações de corte, com a ênfase que lhes é própria. Contudo, estas palavras adquirem a sua verdade na acção do rei perfeito, aguardado e esperado, o Messias.
Segundo uma característica dos carmes messiânicos toda a natureza está envolvida numa transformação, que é em primeiro lugar social: o trigo das messes será tão abundante, que se tornará quase como um mar de espigas que ondulam até aos cimos dos montes (cf. v. 16). Este é o sinal da bênção divina, que se difunde plenamente sobre uma terra apaziguada e serena. Aliás, toda a humanidade, abandonando e eliminando toda a divisão, convergerá para este soberano de justiça, cumprindo deste modo a grande promessa feita pelo Senhor a Abraão: "Todos nele se sentirão abençoados; todos os povos o hão-de bendizer!" (v. 17; cf. Gn 12, 3).
4. No rosto deste rei-Messias, a tradição cristã intuiu o retrato de Jesus Cristo. Na sua Exposição sobre o Salmo 71, relendo o cântico precisamente em chave cristológica, Santo Agostinho explica que os miseráveis e os pobres, de quem Cristo vai ao encontro, são "o povo dos que nele crêem".
Aliás, recordando os reis aos quais o Salmo se tinha precedentemente referido, especifica que "neste povo estão incluídos também os reis que o adoram. Com efeito, não desdenharam ser miseráveis e pobres, ou seja, confessar humildemente os próprios pecados e reconhecer-se necessitados da glória e da graça de Deus, a fim de que aquele rei, filho do rei, os libertasse do poderoso", isto é, de Satanás, o "caluniador", o "forte". "Porém, o nosso Salvador humilhou o caluniador e entrou na casa do forte, tirando-lhe os seus vasos depois de o ter acorrentado; ele "libertou o miserável do poderoso, e o pobre que não tinha quem o socorresse". Efetivamente, isto não poderia ter sido feito por qualquer poder criado: nem o de qualquer homem justo e nem sequer o do anjo. Não havia ninguém capaz de nos salvar; e eis que veio ele pessoalmente e nos salvou" (71, 14: Nuova Biblioteca Agostiniana, XXVI, Roma 1970, pp. 809.811).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 15 de Dezembro de 2004



Diretório Franciscano - Salmo 71 (Espanhol)







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