Introdução ao Livro dos Salmos (Transcrição da Bíblia Ave Maria)
O Saltério é o livro de oração mais conhecido
e mais querido do mundo. Assim foi e é
para os judeus, assim foi e é para nós, cristãos,
assim foi e é do maior agrado de Deus, que
o inspirou. É um livro de elevação espiritual,
frequentemente usado pelo próprio Jesus
Cristo.
Os Salmos são a “voz inata da Igreja”
– escreveu São Basílio. Eles contêm o modo e
as próprias palavras para louvarmos a Deus
convenientemente. São um lindo pomar – dizia
Santo Atanásio – com as mais selecionadas e
saborosas frutas de todos os demais livros da
Escritura Santa.
A palavra salmos é a tradução do termo
hebraico tehilim que quer dizer louvores, cânticos,
hinos. Esse termo exprime apenas um
aspecto do rico conteúdo da coleção, porque
nos Salmos encontramos lamentações, cânticos
de penitência, hinos de agradecimento, poemas
didáticos e súplicas ardentes. Os salmos eram
cânticos destinados especialmente ao uso litúrgico
do Templo de Jerusalém.
Primordialmente, de uso oficial, público.
Mas, muitos salmos expressam de maneira apropriadíssima sentimentos religiosos inteiramente
pessoais. Na oração particular, nos
momentos de nenhum convencionalismo,
quantas vezes os fiéis não se vêem retratados
com exatidão nas suas entrelinhas!
Os Salmos
chegaram a ser as mais populares canções dos
tempos áureos da Igreja. Santa Paula, desde
Belém, berço de Jesus, escreveu à sua amiga
Marcela:
“Na quintazinha de Cristo tudo é campestre. É tanto o silêncio que, afora o canto dos Salmos, não se ouve outra coisa. O lavrador, de mão na rabiça, entoa o aleluia. O ceifeiro, alagado em suor, distrai-se com Salmos. O vinhateiro, empunhando a curva podadeira, canta poemas de Davi. São essas as cantigas da nossa província. Essas, as canções de amor. Isso, o que trauteiam, assobiando, os pastores”.
Para muita gente, porém, os Salmos ainda
continuam um pomar fechado, só visitável por
pessoas eruditas. Não deve ser assim. Comece
a rezar os Salmos, e verá. Eles se recomendam
por si mesmos. É normal que aconteça no íntimo
de você o que São Jerônimo escreveu a respeito
da Bíblia:
“Na casca, fel – no miolo, mel (in córtice féllis, in medúlla méllis)”.
No começo,
pode ser amargura, mas no meio, que doçura!
Dê um tempinho ao tempo.
A verdadeira piedade exige que os
Salmos voltem a ocupar o lugar de honra que
merecem, segundo desígnio do Espírito Santo, que os inspirou.
A presente tradução teve isto
em conta: bem fiel e bem brasileira.
Já em remota antiguidade, esses cânticos
foram sendo reunidos em coleções. A divisão
atual em cinco livros está baseada em expressões
evidentes do texto hebraico e também em
outras comparações de estilos, métrica (medida
de acentos na poesia), etc. As cinco partes atuais
são: Primeiro livro – 40 Salmos: 1-40. Segundo
livro – 31 Salmos: 41-71. Terceiro livro – 17 Salmos:
72-88. Quarto livro – 17 Salmos: 89-105.
Quinto livro – 45 Salmos: 106-150. (Estamos
usando, aqui, numeração litúrgica. A numeração hebraica é um algarismo superior.)
150 Salmos.
Já explicamos por que o povo,
não sabendo ler ou não tendo livro, com santa
inveja dos religiosos que rezavam os Salmos,
teve a feliz ideia de saudar Nossa Senhora, Mãe
de Jesus, com tantas Ave-Marias quantos são
os Salmos – 150. É a chamada “coroa de rosas”
(Rosário), atualmente a devoção mais difundida
no mundo católico!
O Saltério foi composto por diversas
pessoas, em diversas épocas e para diversas
finalidades. Por isso, a gente nota repetições,
estilos diferentes, diferente intensidade de sentimentos.
Por vezes, ajuntaram dois Salmos em
um só; outras vezes, dividiram em dois um único
Salmo. Tudo isso é perfeitamente compreensível.
A comunidade foi aos poucos aperfeiçoando suas composições: daí a perfeição e beleza que temos
hoje.
Nome do autor, títulos, inscrições, indicação de circunstâncias da composição e do modo
de rezar... tudo isso, que está no comecinho
de cada Salmo, tem pouca importância. Mas,
mesmo assim, a gente não tira nada, porque
está no texto original, e não se pode mexer, de
jeito nenhum! Quando, antes do nascimento
de Jesus Cristo, os salmos foram traduzidos
para o grego, a significação dessas inscrições
já era duvidosa ou desconhecida. Mas, o que
interessa mesmo é o Salmo como tal, não tanto
as anotações do versículo 1.
As inscrições do texto original atribuem 74
Salmos a Davi, 10 aos filhos de Coré, 8 a Asaf,
2 a Salomão, 1 a Hemão, 1 a Etão e 1 a Moisés.
Sejam quais tenham sido os seus autores humanos,
a inspiração divina revestiu sua beleza
natural de um profundo sentido religioso, que
fez deles, para sempre, uma inexaurível fonte
de vida religiosa e de piedade.
O caráter religioso dos Salmos é de uma
profundidade incomparável, muito superior
a qualquer escrito da Antiguidade. Todas as
cordas do sentimento religioso são neles dedilhadas:
respeito à majestade divina, gratidão
pela misericórdia infinita e pelo perdão de
Deus, absoluta confiança na Providência, penitência
e contrição ante os próprios pecados,
tristeza e temor dos perigos que nos cercam, consolação, coragem, obediência, alegria
e esperança. Por outro lado, os poemas messiânicos
e as numerosas alusões ao Filho de
Davi tornam os Salmos ainda mais familiares
às nossas almas cristãs. Exatamente por isso, o
lugar todo particular que o saltério assumiu na
liturgia da Igreja.
Como os Salmos foram compostos bem
antes da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo,
eles refletem alguns sentimentos menos nobres
que aqueles que Jesus ensinaria, especialmente
a respeito de vingança e extermínio, que são
impulsos naturais contrários à caridade cristã.
Como em outras passagens do Antigo Testamento,
a justiça divina é descrita nos Salmos
de maneira rude e forte. Muitas vezes o ruído
das armas perturba a calma da oração.
Entretanto, tenhamos em conta dois aspectos,
importantes para sabermos suavizar nosso
modo de julgar essas passagens de aspecto
bárbaro. Por uma parte, os hebreus sempre
estiveram convictos de que só Deus é o rei.
Consequentemente, ser inimigo do povo é ser
inimigo de Deus, é merecer severo castigo! Por
outra parte, eles tinham certeza de que o poder
do inimigo devia ser destruído no futuro, porque
assim o exigia a santidade de Deus. Dessa forma,
a vingança, expressa com tanta violência, é atribuída
ao próprio Deus. Mas a divina misericórdia
sempre acompanha sua justiça. Portanto, não nos afastaremos do verdadeiro espírito dos Salmos
quando, procurando penetrar no cerne espiritual,
no miolo que está por debaixo da casca dura, os
aplicamos à luta interior que dia a dia temos de
travar contra nossos inimigos espirituais, nossas
más tendências, nossos vícios, especialmente
contra o inimigo da nossa salvação, satanás, o
eterno condenado.
Sob esse aspecto, continuam
superatuais e supereficazes os frequentes e veementes
apelos ao auxílio divino.
Somos inclinados para as coisas terrenas.
Mal conseguimos rezar. “Não sabemos o que devemos
pedir, não sabemos rezar como convém”,
escreveu o apóstolo Paulo aos Romanos (8,26).
Então, façamos questão de abrir o livro dos Salmos,
onde encontraremos maravilhosas formas
de oração que nos ensinam como falar com Deus.
Em sentido profundo, os Salmos só poderão
ser devidamente interpretados por aquele
que crê em Jesus Cristo. Isso é evidente quanto
aos Salmos Messiânicos. Mas também outros
salmos, como numerosos outros textos, só encontram
sentido final, completo, à luz da vida
do Senhor Jesus. Por exemplo, os sofrimentos
do justo são uma clara imagem dos tormentos
suportados por Jesus na sua paixão.
Resumindo: o Saltério é, por excelência, o
livro de oração da Igreja e da alma cristã.
A seguir, veremos alguns grupos de Salmos,
de acordo com seu sentido geral. A lista serve também para a gente enriquecer um determinado Salmo
com a meditação dos outros que estão citados
no mesmo grupo, porque têm colorido semelhante.
Confiança: 22, 26, 120, 130;
Sabedoria: 1, 31, 36, 118;
Meditação: 8, 9, 11, 35, 38, 48;
Louvor: 7, 18, 28, 46, 92, 96, 97, 145;
Lamentação, intensa oração: 24, 31, 32, 43;
Ação de graças: 33, 65, 102, 135;
Salmos reais ou messiânicos: 2, 18, 19,
20, 21, 44, 68, 71, 109, 144.
Divergências nas traduções de várias
passagens são compreensíveis, por se tratar
de texto muito e muito usado, diariamente. É
normal que alguém tenha melhorado alguns
versículos ou, ao copiar (aquele tempo, era
tudo manuscrito!), tenha tido alguma distração.
Mas Deus terá tido cuidado para que nenhuma
modificação tenha atingido o substancial.
Na numeração dos salmos, existe uma divergência
entre o texto hebraico e a versão latina da
Vulgata, que foi adotada nas celebrações (liturgia).
Essa divergência provém do fato de o texto hebraico
dividir em dois o salmo 9. Daí em diante, a numeração
do texto latino, presente no breviário e no
missal romano, é, em grande parte, de um algarismo
inferior ao texto hebraico e é a numeração
aceita na presente tradução. Para atender a quem
tenha outras bíblias, está sempre colocada, entre
parênteses, a numeração hebraica.
Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Ambrósio, bispo
(Ps.1,4.7-8:CSEL64,4-7) (Séc.IV)
Embora toda a divina Escritura exale a graça de Deus, o mais suave é o Livro dos Salmos. Moisés, que escreveu os feitos dos patriarcas em simples prosa, quando fez passar através do mar Vermelho o povo dos pais para imperecível admiração, vendo afogados o faraó e seus exércitos, sentiu inflamar-se seu engenho, pois conseguira portentos acima de suas forças, e elevou triunfal cântico ao Senhor. Maria, também, tomou o pandeiro e assim exortava as outras, entoando:
Cantemos ao Senhor, que se cobriu de glória e de honra;
lançou ao mar cavalo e cavaleiro.
A história instrui, a lei ensina, a profecia anuncia, a correção castiga, a moral persuade. Ora, no Livro dos Salmos há proveito para todos e remédio para a salvação do homem. Quem o lê, tem remédio especial para as chagas das paixões. Quem quiser lutar como em ginásio de almas e estádio de virtudes, onde estão preparados diversos gêneros de luta, escolha para si aquele que julgar mais adequado para mais facilmente alcançar a coroa.
Se alguém quiser recordar e imitar os feitos gloriosos dos antepassados, encontrará compendiada num salmo toda a história de nossos pais, podendo assim enriquecer o tesouro da memória numa breve leitura. Se alguém perscruta a força da lei que está toda no vínculo da caridade (quem ama o próximo, cumpriu a lei), leia então, nos salmos, com quanto amor um só se expôs aos mais graves perigos para repelir o opróbrio de todo o povo. Donde se reconhece não ser a glória da caridade menor do que o triunfo da virtude.
Que direi sobre o dom da profecia? Aquilo que outros anunciaram por enigmas, só a este, aparece clara e abertamente a promessa de que o Senhor Jesus nasceria de sua linhagem, conforme lhe falou: Porei sobre teu trono o fruto de tuas entranhas. Por conseguinte, nos salmos não apenas nasce Jesus para nós, mas ainda aceita a salvífica paixão de seu corpo, adormece, ressurge, sobe aos céus, assenta-se à direita do Pai. O que homem algum ousaria dizer, só este profeta anunciou e depois o próprio Senhor o manifestou no seu evangelho.
Responsório Sl 56(57),8-9
R. Meu coração está pronto, meu Deus,
está pronto o meu coração.
* Vou cantar e tocar para vós.
V. Desperta, minh’alma, desperta,
despertem a harpa e a lira,
eu irei acordar a aurora!
* Vou cantar e tocar para vós.
SANTO ATANÁSIO: CARTA DE SANTO ATANÁSIO A MARCELINO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DOS SALMOS
Para compreender o Livro dos Salmos - Hilari Haguer
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