quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Introdução ao Livro dos Salmos

Introdução ao Livro dos Salmos (Transcrição da Bíblia Ave Maria)



O Saltério é o livro de oração mais conhecido e mais querido do mundo. Assim foi e é para os judeus, assim foi e é para nós, cristãos, assim foi e é do maior agrado de Deus, que o inspirou. É um livro de elevação espiritual, frequentemente usado pelo próprio Jesus Cristo.

Os Salmos são a “voz inata da Igreja” – escreveu São Basílio. Eles contêm o modo e as próprias palavras para louvarmos a Deus convenientemente. São um lindo pomar – dizia Santo Atanásio – com as mais selecionadas e saborosas frutas de todos os demais livros da Escritura Santa.

A palavra salmos é a tradução do termo hebraico tehilim que quer dizer louvores, cânticos, hinos. Esse termo exprime apenas um aspecto do rico conteúdo da coleção, porque nos Salmos encontramos lamentações, cânticos de penitência, hinos de agradecimento, poemas didáticos e súplicas ardentes. Os salmos eram cânticos destinados especialmente ao uso litúrgico do Templo de Jerusalém. Primordialmente, de uso oficial, público. Mas, muitos salmos expressam de maneira apropriadíssima sentimentos religiosos inteiramente pessoais. Na oração particular, nos momentos de nenhum convencionalismo, quantas vezes os fiéis não se vêem retratados com exatidão nas suas entrelinhas!

Os Salmos chegaram a ser as mais populares canções dos tempos áureos da Igreja. Santa Paula, desde Belém, berço de Jesus, escreveu à sua amiga Marcela:
“Na quintazinha de Cristo tudo é campestre. É tanto o silêncio que, afora o canto dos Salmos, não se ouve outra coisa. O lavrador, de mão na rabiça, entoa o aleluia. O ceifeiro, alagado em suor, distrai-se com Salmos. O vinhateiro, empunhando a curva podadeira, canta poemas de Davi. São essas as cantigas da nossa província. Essas, as canções de amor. Isso, o que trauteiam, assobiando, os pastores”.

Para muita gente, porém, os Salmos ainda continuam um pomar fechado, só visitável por pessoas eruditas. Não deve ser assim. Comece a rezar os Salmos, e verá. Eles se recomendam por si mesmos. É normal que aconteça no íntimo de você o que São Jerônimo escreveu a respeito da Bíblia:
“Na casca, fel – no miolo, mel (in córtice féllis, in medúlla méllis)”.
No começo, pode ser amargura, mas no meio, que doçura! Dê um tempinho ao tempo. A verdadeira piedade exige que os Salmos voltem a ocupar o lugar de honra que merecem, segundo desígnio do Espírito Santo, que os inspirou.

A presente tradução teve isto em conta: bem fiel e bem brasileira. Já em remota antiguidade, esses cânticos foram sendo reunidos em coleções. A divisão atual em cinco livros está baseada em expressões evidentes do texto hebraico e também em outras comparações de estilos, métrica (medida de acentos na poesia), etc. As cinco partes atuais são: Primeiro livro – 40 Salmos: 1-40. Segundo livro – 31 Salmos: 41-71. Terceiro livro – 17 Salmos: 72-88. Quarto livro – 17 Salmos: 89-105. Quinto livro – 45 Salmos: 106-150. (Estamos usando, aqui, numeração litúrgica. A numeração hebraica é um algarismo superior.) 150 Salmos.

Já explicamos por que o povo, não sabendo ler ou não tendo livro, com santa inveja dos religiosos que rezavam os Salmos, teve a feliz ideia de saudar Nossa Senhora, Mãe de Jesus, com tantas Ave-Marias quantos são os Salmos – 150. É a chamada “coroa de rosas” (Rosário), atualmente a devoção mais difundida no mundo católico!

O Saltério foi composto por diversas pessoas, em diversas épocas e para diversas finalidades. Por isso, a gente nota repetições, estilos diferentes, diferente intensidade de sentimentos. Por vezes, ajuntaram dois Salmos em um só; outras vezes, dividiram em dois um único Salmo. Tudo isso é perfeitamente compreensível. A comunidade foi aos poucos aperfeiçoando suas composições: daí a perfeição e beleza que temos hoje.

Nome do autor, títulos, inscrições, indicação de circunstâncias da composição e do modo de rezar... tudo isso, que está no comecinho de cada Salmo, tem pouca importância. Mas, mesmo assim, a gente não tira nada, porque está no texto original, e não se pode mexer, de jeito nenhum! Quando, antes do nascimento de Jesus Cristo, os salmos foram traduzidos para o grego, a significação dessas inscrições já era duvidosa ou desconhecida. Mas, o que interessa mesmo é o Salmo como tal, não tanto as anotações do versículo 1. As inscrições do texto original atribuem 74 Salmos a Davi, 10 aos filhos de Coré, 8 a Asaf, 2 a Salomão, 1 a Hemão, 1 a Etão e 1 a Moisés.

Sejam quais tenham sido os seus autores humanos, a inspiração divina revestiu sua beleza natural de um profundo sentido religioso, que fez deles, para sempre, uma inexaurível fonte de vida religiosa e de piedade. O caráter religioso dos Salmos é de uma profundidade incomparável, muito superior a qualquer escrito da Antiguidade. Todas as cordas do sentimento religioso são neles dedilhadas: respeito à majestade divina, gratidão pela misericórdia infinita e pelo perdão de Deus, absoluta confiança na Providência, penitência e contrição ante os próprios pecados, tristeza e temor dos perigos que nos cercam, consolação, coragem, obediência, alegria e esperança. Por outro lado, os poemas messiânicos e as numerosas alusões ao Filho de Davi tornam os Salmos ainda mais familiares às nossas almas cristãs. Exatamente por isso, o lugar todo particular que o saltério assumiu na liturgia da Igreja. Como os Salmos foram compostos bem antes da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles refletem alguns sentimentos menos nobres que aqueles que Jesus ensinaria, especialmente a respeito de vingança e extermínio, que são impulsos naturais contrários à caridade cristã. Como em outras passagens do Antigo Testamento, a justiça divina é descrita nos Salmos de maneira rude e forte. Muitas vezes o ruído das armas perturba a calma da oração. Entretanto, tenhamos em conta dois aspectos, importantes para sabermos suavizar nosso modo de julgar essas passagens de aspecto bárbaro. Por uma parte, os hebreus sempre estiveram convictos de que só Deus é o rei. Consequentemente, ser inimigo do povo é ser inimigo de Deus, é merecer severo castigo! Por outra parte, eles tinham certeza de que o poder do inimigo devia ser destruído no futuro, porque assim o exigia a santidade de Deus. Dessa forma, a vingança, expressa com tanta violência, é atribuída ao próprio Deus. Mas a divina misericórdia sempre acompanha sua justiça. Portanto, não nos afastaremos do verdadeiro espírito dos Salmos quando, procurando penetrar no cerne espiritual, no miolo que está por debaixo da casca dura, os aplicamos à luta interior que dia a dia temos de travar contra nossos inimigos espirituais, nossas más tendências, nossos vícios, especialmente contra o inimigo da nossa salvação, satanás, o eterno condenado.

Sob esse aspecto, continuam superatuais e supereficazes os frequentes e veementes apelos ao auxílio divino. Somos inclinados para as coisas terrenas. Mal conseguimos rezar. “Não sabemos o que devemos pedir, não sabemos rezar como convém”, escreveu o apóstolo Paulo aos Romanos (8,26).

Então, façamos questão de abrir o livro dos Salmos, onde encontraremos maravilhosas formas de oração que nos ensinam como falar com Deus. Em sentido profundo, os Salmos só poderão ser devidamente interpretados por aquele que crê em Jesus Cristo. Isso é evidente quanto aos Salmos Messiânicos. Mas também outros salmos, como numerosos outros textos, só encontram sentido final, completo, à luz da vida do Senhor Jesus. Por exemplo, os sofrimentos do justo são uma clara imagem dos tormentos suportados por Jesus na sua paixão.

Resumindo: o Saltério é, por excelência, o livro de oração da Igreja e da alma cristã. A seguir, veremos alguns grupos de Salmos, de acordo com seu sentido geral. A lista serve também para a gente enriquecer um determinado Salmo com a meditação dos outros que estão citados no mesmo grupo, porque têm colorido semelhante.

Confiança: 22, 26, 120, 130;
Sabedoria: 1, 31, 36, 118;
Meditação: 8, 9, 11, 35, 38, 48;
Louvor: 7, 18, 28, 46, 92, 96, 97, 145;
Lamentação, intensa oração: 24, 31, 32, 43;
Ação de graças: 33, 65, 102, 135;
Salmos reais ou messiânicos: 2, 18, 19, 20, 21, 44, 68, 71, 109, 144.

Divergências nas traduções de várias passagens são compreensíveis, por se tratar de texto muito e muito usado, diariamente. É normal que alguém tenha melhorado alguns versículos ou, ao copiar (aquele tempo, era tudo manuscrito!), tenha tido alguma distração. Mas Deus terá tido cuidado para que nenhuma modificação tenha atingido o substancial. Na numeração dos salmos, existe uma divergência entre o texto hebraico e a versão latina da Vulgata, que foi adotada nas celebrações (liturgia). Essa divergência provém do fato de o texto hebraico dividir em dois o salmo 9. Daí em diante, a numeração do texto latino, presente no breviário e no missal romano, é, em grande parte, de um algarismo inferior ao texto hebraico e é a numeração aceita na presente tradução. Para atender a quem tenha outras bíblias, está sempre colocada, entre parênteses, a numeração hebraica.



Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Ambrósio, bispo
(Ps.1,4.7-8:CSEL64,4-7)             (Séc.IV)

            Embora toda a divina Escritura exale a graça de Deus, o mais suave é o Livro dos Salmos. Moisés, que escreveu os feitos dos patriarcas em simples prosa, quando fez passar através do mar Vermelho o povo dos pais para imperecível admiração, vendo afogados o faraó e seus exércitos, sentiu inflamar-se seu engenho, pois conseguira portentos acima de suas forças, e elevou triunfal cântico ao Senhor. Maria, também, tomou o pandeiro e assim exortava as outras, entoando:

Cantemos ao Senhor, que se cobriu de glória e de honra;
lançou ao mar cavalo e cavaleiro.
  
          A história instrui, a lei ensina, a profecia anuncia, a correção castiga, a moral persuade. Ora, no Livro dos Salmos há proveito para todos e remédio para a salvação do homem. Quem o lê, tem remédio especial para as chagas das paixões. Quem quiser lutar como em ginásio de almas e estádio de virtudes, onde estão preparados diversos gêneros de luta, escolha para si aquele que julgar mais adequado para mais facilmente alcançar a coroa.
            Se alguém quiser recordar e imitar os feitos gloriosos dos antepassados, encontrará compendiada num salmo toda a história de nossos pais, podendo assim enriquecer o tesouro da memória numa breve leitura. Se alguém perscruta a força da lei que está toda no vínculo da caridade (quem ama o próximo, cumpriu a lei), leia então, nos salmos, com quanto amor um só se expôs aos mais graves perigos para repelir o opróbrio de todo o povo. Donde se reconhece não ser a glória da caridade menor do que o triunfo da virtude.
            Que direi sobre o dom da profecia? Aquilo que outros anunciaram por enigmas, só a este, aparece clara e abertamente a promessa de que o Senhor Jesus nasceria de sua linhagem, conforme lhe falou: Porei sobre teu trono o fruto de tuas entranhas. Por conseguinte, nos salmos não apenas nasce Jesus para nós, mas ainda aceita a salvífica paixão de seu corpo, adormece, ressurge, sobe aos céus, assenta-se à direita do Pai. O que homem algum ousaria dizer, só este profeta anunciou e depois o próprio Senhor o manifestou no seu evangelho.

Responsório Sl 56(57),8-9

R. Meu coração está pronto, meu Deus,
está pronto o meu coração.
* Vou cantar e tocar para vós.
V. Desperta, minh’alma, desperta,
despertem a harpa e a lira,

eu irei acordar a aurora!
* Vou cantar e tocar para vós.


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