Salmo 23
1.Salmo de Davi. Do Senhor é a terra e tudo o que ela contém, a órbita terrestre e todos os que nela habitam,
2.pois ele mesmo a assentou sobre as águas do mar e sobre as águas dos rios a consolidou.
3.Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Ou de permanecer no seu lugar santo?
4.O que tem as mãos limpas e o coração puro, cujo espírito não busca as vaidades nem perjura para enganar seu próximo.
5.Este terá a bênção do Senhor, e a recompensa de Deus, seu Salvador.
6.Tal é a geração dos que o procuram, dos que buscam a face do Deus de Jacó.
7.Levantai, ó portas, os vossos dintéis! Levantai-vos, ó pórticos antigos, para que entre o Rei da glória!
8.Quem é este Rei da glória? É o Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha.
9.Levantai, ó portas, os vossos dintéis! Levantai-vos, ó pórticos antigos, para que entre o Rei da glória!
10.Quem é este Rei da glória? É o Senhor dos exércitos! É ele o Rei da glória.
O Senhor entra no seu templo
1. O antigo cântico do Povo de
Deus, que agora acabamos de ouvir, ressoava no fundo do templo de Jerusalém.
Para poder captar com clareza a ideia-base que atravessa este hino, é
necessário ter bem presentes três dos seus pressupostos fundamentais. O
primeiro diz respeito à verdade da criação: Deus criou o mundo e é o seu
Senhor. O segundo refere-se ao juízo ao qual Ele submete as suas criaturas:
devemos apresentar-nos a Ele para sermos interrogados sobre o que realizamos. O
terceiro é o mistério da vinda de Deus: Ele vem ao mundo e à história, e deseja
ter livre acesso, para estabelecer com os homens uma relação de profunda
comunhão. Um comentador moderno escreveu: "Estas são três formas
elementares da experiência de Deus e da relação com Deus; nós vivemos por obra
de Deus, perante Deus e podemos viver com Deus" (G. Ebeling, Sobre os
Salmos, Bréscia 1973, pág. 97).
2. A estes três pressupostos
correspondem às três partes do Salmo 23, que agora procuraremos aprofundar,
considerando-as como três partes de um tríptico poético e orante. A primeira é
uma breve aclamação ao Criador, ao qual pertence a terra com os seus habitantes
(vv. 1-2). É uma espécie de profissão de fé no Senhor da criação e da história.
A criação, segundo a antiga visão do mundo, é concebida como uma obra arquitetônica:
Deus lança as bases da terra sobre o mar, símbolo das águas desordenadas e destruidoras,
sinal do limite das criaturas, condicionadas pelo nada e pelo mal. A realidade
está suspensa sobre este abismo e é a obra criadora e providencial de Deus que
a conserva no ser e na vida.
3. Do horizonte cósmico a
perspectiva do Salmista limita-se ao microcosmo de Sião, "o monte do
Senhor". Estamos agora na segunda parte do Salmo (vv. 3-6). Estamos diante
do templo de Jerusalém. A procissão dos fiéis dirige aos guardas da porta santa
uma pergunta inicial: "Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Quem
poderá permanecer em seu lugar santo?". Os sacerdotes como se verifica
também em alguns textos bíblicos chamados pelos estudiosos "liturgia de
entrada" (cf. Sl 14; Is 33, 14-16; Mq 6, 6-8) respondem fazendo o elenco
das condições para poder ter acesso à comunhão com o Senhor no culto. Não se
trata de normas meramente rituais e exteriores que devem ser cumpridas, mas de
empenhos morais e existenciais a serem praticados. É quase como um exame de
consciência ou um cato penitencial que precede a celebração litúrgica.
4. São três as exigências
apresentadas pelos sacerdotes. Em primeiro lugar é preciso ter "mãos
inocentes e um coração puro". "Mãos" e "coração" recordam
a ação e a intenção, isto é, todo o ser do homem que deve estar radicalmente
orientado para Deus e para a sua lei. A segunda exigência é a de "não
dizer mentiras" que, na linguagem bíblica, não remete apenas para a
sinceridade, mas sobretudo para a luta contra a idolatria, sendo os ídolos falsos
deuses, ou seja, "mentira". Desta forma, recorda-se o primeiro mandamento
do Decálogo, a pureza da religião e do culto. Por fim, eis a terceira condição
que diz respeito às relações com o próximo: "não jurar com perfídia contra
o próximo". A palavra, como sabemos, numa civilização oral como era a do
antigo Israel, não podia ser instrumento de engano, mas ao contrário, símbolo
de relações sociais inspiradas na justiça e na retidão.
5. Desta forma, chegamos à
terceira parte que descreve indiretamente a entrada jubilosa dos fiéis no
templo para se encontrarem com o Senhor (vv. 7-10). Num sugestivo jogo de
apelos, perguntas e respostas, apresenta-se a revelação progressiva de Deus,
marcada por três dos seus títulos solenes: "Rei da glória, Senhor forte e
poderoso, Senhor dos exércitos". As portas do templo de Sião são
personificadas e convidadas a levantar os seus dintéis para deixar entrar o
Senhor que toma posse da sua casa.
O cenário triunfal, descrito
pelo Salmo nesta terceira parte poética foi utilizada pela liturgia cristã do
Oriente e do Ocidente para recordar tanto a vitoriosa descida de Cristo ao inferno,
da qual fala a Primeira Carta de Pedro (cf. 3, 19), como a gloriosa ascensão ao
céu do Senhor ressuscitado (cf. Act 1, 9-10). O mesmo Salmo ainda é cantado em
coros alternados pela liturgia bizantina na noite pascal, da mesma forma como
era utilizado pela liturgia romana, no final da procissão dos ramos, no segundo
Domingo da Paixão. A solene liturgia da abertura da Porta Santa, durante a
inauguração do Ano Jubilar, permitiu-nos reviver com intensa comoção interior
os mesmos sentimentos vividos pelo Salmista quando atravessou a porta do antigo
Templo de Sião.
6. O último título,
"Senhor dos exércitos", não tem como poderia parecer à primeira vista
um carácter marcial, mesmo se não exclui uma referência às tropas de Israel. Ao
contrário, está dotado de um valor cósmico: o Senhor, que agora está para vir
ao encontro da humanidade dentro do espaço limitado do santuário de Sião, é o
Criador que tem por exército todas as estrelas do céu, ou seja, todas as
criaturas do universo que lhe obedecem. No livro do profeta Baruc lê-se:
"As estrelas brilham nos seus postos e alegram-se. Ele chama-as e elas
respondem: "Aqui estamos". E, jubilosas, dão luz ao Seu criador"
(Br 3, 34-35). O Deus infinito, omnipotente e eterno adapta-se às criaturas
humanas, aproxima-se delas para as encontrar, ouvir e entrar em comunhão com
elas. E a liturgia é a expressão deste encontro na fé, no diálogo e no amor.
JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira 20 de Junho de 2001
Diretório Franciscano - Salmo 23 (Espanhol)
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