quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 35


Salmo 35

1.Ao mestre de canto. De Davi, servo do Senhor.
2.A iniqüidade fala ao ímpio no seu coração; não existe o temor a Deus ante os seus olhos,
3.porque ele se gloria de que sua culpa não será descoberta nem detestada por ninguém.
4.Suas palavras são más e enganosas; renunciou a proceder sabiamente e a fazer o bem.
5.Em seu leito ele medita o crime, anda pelo mau caminho, não detesta o mal.
6.Senhor, vossa bondade chega até os céus, vossa fidelidade se eleva até as nuvens.
7.Vossa justiça é semelhante às montanhas de Deus, vossos juízos são profundos como o mar. Vós protegeis, Senhor, os homens como os animais.
8.Como é preciosa a vossa bondade, ó Deus! À sombra de vossas asas se refugiam os filhos dos homens.
9.Eles se saciam da abundância de vossa casa, e lhes dais de beber das torrentes de vossas delícias,
10.porque em vós está a fonte da vida, e é na vossa luz que vemos a luz.
11.Continuai a dar vossa bondade aos que vos honram, e a vossa justiça aos retos de coração.
12.Não me calque o pé do orgulhoso, não me faça fugir a mão do pecador.
13.Eis que caíram os fautores da iniqüidade, foram prostrados para não mais se erguer.

Malícia do pecador, bondade do Senhor
1. Cada vez que tem início um dia de trabalho e de relacionamentos humanos, duas são as atitudes fundamentais que cada homem pode assumir:  escolher o bem, ou então ceder ao mal. O Salmo 35, que acabamos de ouvir, apresenta precisamente estes dois perfis antitéticos. Por um lado, há quem desde o seu "leito", de onde está para se levantar, medita projectos iníquos; por outro, ao contrário, há quem procura a luz de Deus, "fonte da vida" (v. 10). O abismo da malícia do ímpio opõe-se ao abismo da bondade de Deus, nascente viva que sacia e luz que ilumina o fiel.
Por isso, dois são os tipos de homem descritos pela oração salmista, que acaba de ser proclamada, e que a Liturgia das Horas nos propõe para as Laudes de quarta-feira da primeira Semana.
2. O primeiro retrato que o Salmista nos apresenta é o do pecador (cf. vv. 2-5). No seu interior como diz o original hebraico encontra-se o "oráculo do pecado" (cf. v. 2). A expressão é forte. Faz pensar numa palavra satânica que, em contraste com a palavra divina, ressoe no coração e na linguagem do ímpio.
Nele o mal parece conatural com a sua íntima realidade, de maneira a manifestar-se em palavras e actos (cf. vv. 3-4). Ele passa os seus dias a escolher "maus caminhos", desde muito cedo, quando ainda está "no seu leito" (v. 5), até à noite, quando está prestes a adormecer. Esta escolha constante do pecador deriva de uma opção que empenha toda a sua existência e gera a morte.
3. Mas o Salmista está totalmente orientado para o outro retrato em que ele deseja reflectir-se:  o do homem que procura o rosto de Deus (cf. vv. 6-13). Ele eleva um verdadeiro e próprio cântico ao amor divino (cf. vv. 6-11) al qual faz seguir, no final, uma suplicante invocação para ser libertado do fascínio obscuro do mal e imbuído para sempre pela luz da graça.
Neste cântico desenvolve-se uma verdadeira e própria ladainha de termos, que celebram os lineamentos do Deus de amor:  graça, fidelidade, justiça, juízo, salvação, sobra protectora, abundância, delícia, vida e luz. Salientem-se, em particular, quatro destes traços divinos, expressos com vocábulos hebraicos que têm um valor mais intenso do que é demonstrado pela tradução nas línguas modernas.
4. Em primeiro lugar há o termo hésed, "graça", que é fidelidade e, ao mesmo tempo, amor, lealdade e ternura. Constitui um dos termos fundamentais para exaltar a aliança entre o Senhor e o seu povo. E é significativo que ele ressoe por 127 nos Salmos, mais de metade de todas as vezes que esta palavra aparece no restante do Antigo Testamento. Além disso, há o termo 'emunáh, que deriva da mesma raiz do amen, a palavra da fé, e significa estabilidade, segurança e fidelidade inabalável. A seguir, vem a palavra sedaqáh, a "justiça", que tem um significado sobretudo salvífico:  é a atitude santa e providencial de Deus que, através da sua intervenção na história, liberta do mal e da injustiça os seus fiéis. Enfim, eis a mishpát, o "juízo" com que Deus governa as suas criaturas, debruçando-se sobre os pobres e os oprimidos, e derrubando os arrogantes e os prepotentes.
Quatro palavras teológicas, que o orante repete na sua profissão de fé, enquanto se encaminha pelas sendas do mundo, convicto de ter ao seu lado o Deus amoroso, fiel, justo e salvador.
5. Aos vários títulos com que exalta a Deus, o Salmista acrescenta duas imagens sugestivas. Por um lado, a abundância de alimentos:  ela faz pensar, em primeiro lugar, no banquete sagrado, que se celebrava no templo de Sião, com a carne das vítimas sacrificais. Há também a fonte e a torrente, cujas águas saciam não apenas a garganta sedenta, mas também a alma (cf. vv. 9-10; Sl 41, 2-3; 62, 2-6). O Senhor sacia e dessedenta o orante, tornando-o partícipe da sua vida plena e imortal.
A outra imagem é representada pelo símbolo da luz:  "Na vossa Luz é que vemos a luz" (v. 10).
Trata-se de uma luminosidade que se irradia como que "a cântaros" e é um sinal da revelação de Deus ao seu fiel. Assim aconteceu com Moisés no Sinai (cf. Êx 34, 29-30) e assim acontece com o cristão, na medida em que, "com o rosto descoberto, com o rosto reflectindo a glória do Senhor, como um espelho, é transformado nessa mesma imagem" (cf. 2 Cor 3, 18).
Na linguagem dos Salmos, "ver a luz do rosto de Deus" significa concretamente encontrar o Senhor no templo, onde se celebra a oração litúrgica e se escuta a palavra divina. Também o cristão vive esta experiência, quando celebra  os  louvores  do  Senhor  na  aurora do dia, antes de se encaminhar pelas sendas nem sempre lineares da vida quotidiana.

JOÃO PAULO II    
AUDIÊNCIA GERAL  

Quarta-feira, 22 de Agosto de 2001



Diretório Franciscano - Salmo 35 (Espanhol)

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