Salmo 31
1.De Davi. Hino. Feliz aquele cuja iniqüidade foi perdoada, cujo pecado foi absolvido.
2.Feliz o homem a quem o Senhor não argúi de falta, e em cujo coração não há dolo.
3.Enquanto me conservei calado, mirraram-se-me os ossos, entre contínuos gemidos.
4.Pois, dia e noite, vossa mão pesava sobre mim; esgotavam-se-me as forças como nos ardores do verão.
5.Então eu vos confessei o meu pecado, e não mais dissimulei a minha culpa. Disse: Sim, vou confessar ao Senhor a minha iniqüidade. E vós perdoastes a pena do meu pecado.
6.Assim também todo fiel recorrerá a vós, no momento da necessidade. Quando transbordarem muitas águas, elas não chegarão até ele.
7.Vós sois meu asilo, das angústias me preservareis e me envolvereis na alegria de minha salvação.
8.Vou te ensinar, dizeis, vou te mostrar o caminho que deves seguir; vou te instruir, fitando em ti os meus olhos:
9.não queiras ser sem inteligência como o cavalo, como o muar, que só ao freio e à rédea submetem seus ímpetos; de outro modo não se chegam a ti.
10.São muitos os sofrimentos do ímpio. Mas quem espera no Senhor, sua misericórdia o envolve.
11.Ó justos, alegrai-vos e regozijai-vos no Senhor. Exultai todos vós, retos de coração.
Ação de graças pelo perdão dos pecados
Queridos Irmãos e Irmãs:
1. "Feliz aquele a quem é perdoada a culpa e absolvido o pecado!". Esta bem-aventurança, que abre o Salmo 31 há pouco proclamado, faz-nos compreender imediatamente o motivo pelo qual ele foi acolhido pela tradição cristã na série dos sete Salmos penitenciais. Depois da dupla bem-aventurança inicial (cf. vv. 1-2), encontramos não uma reflexão genérica sobre o pecado e o perdão, mas o testemunho pessoal de um convertido.
A composição do Salmo é bastante complexa: depois do testemunho (cf. vv. 3-5) vêm dois versículos que falam de perigo, de oração e de salvação (cf. vv. 6-7), depois uma promessa divina de conselho (cf. v. 8) e uma admoestação (cf. v. 9), por fim, um ditado sapiencial antitético (cf. v. 10) e um convite a rejubilar no Senhor (cf. v. 11).
2. Retomamos agora apenas alguns elementos desta composição. Antes de mais o orante descreve a sua penosíssima situação de consciência quando "se calava" (cf. v. 3): tendo cometido graves culpas, ele não tinha a coragem de confessar a Deus os seus pecados. Era um tormento interior terrível, descrito com imagens impressionantes. Os seus ossos quase definhavam sob uma febre abaladora, o calor consumia o seu vigor dissolvendo-o, o seu gemido era contínuo. O pecador sentia pesar sobre si a mão de Deus, consciente de que Deus não é indiferente ao mal perpetrado pela sua criatura, porque Ele é o guardião da justiça e da verdade.
3. Não podendo resistir mais, o pecador decidiu confessar a sua culpa com uma declaração corajosa, que parece antecipar a do filho pródigo da parábola de Jesus (cf. Lc 15, 18). De facto, disse com sinceridade de coração: "Confessarei ao Senhor as minhas culpas". São poucas palavras, mas surgem da consciência; Deus responde-lhe imediatamente com um generoso perdão (cf. Sl 31, 5).
O profeta Jeremias referia este apelo de Deus: "Volta, rebelde Israel, não mais te mostrarei um semblante enfurecido oráculo do Senhor; porque sou misericordioso. A minha ira não é eterna oráculo do Senhor. Reconhece somente a tua falta, pois foste infiel ao Senhor, teu Deus" (3, 12-13).
Abre-se assim diante de "cada fiel" arrependido e perdoado um horizonte de segurança, de confiança, de paz, apesar das provas da vida (cf. Sl 31, 6-7). Ainda pode vir o tempo da angústia mas a maré progressiva do receio não prevalecerá, porque o Senhor guiará o seu fiel para um lugar seguro: "Tu és o meu refúgio, livras-me da angústia e me envolves em cânticos de libertação" (v. 7).
4. A este ponto, o Senhor toma a palavra, e promete guiar o pecador já convertido. Com efeito, não é suficiente ter sido purificados; é necessário depois caminhar pela recta via. Por isso no Livro de Isaías (cf. 30, 21), o Senhor promete: "Indicar-te-ei o caminho que deves seguir" (Sl 31, 8) e convida à docilidade. O apelo faz-se solícito, eivado de um pouco de ironia com a vivaz comparação do jumento e do cavalo, símbolos de obstinação (cf. v. 9). Com efeito, a verdadeira sabedoria induz à conversão, deixando para trás o vício e o seu obscuro poder de atração.
Mas sobretudo conduz ao gozo daquela paz que brota do facto de sermos libertados e perdoados.
São Paulo na Carta aos Romanos refere-se explicitamente ao início do nosso Salmo para celebrar a graça libertadora de Cristo (cf. Rm 4, 6-8). Nós poderíamos aplicá-lo ao sacramento da Reconciliação. Nele, à luz do Salmo, experimenta-se a consciência do pecado, com frequência obscurecida nos nossos dias, e ao mesmo tempo a alegria do perdão. O binômio "delito-castigo" é substituído pelo binômio "delito-perdão", porque o Senhor é um Deus "que perdoa as culpas, as transgressões e os pecados" (Êx 34, 7).
5. São Cirilo de Jerusalém (IV séc.) usa o Salmo 31 para ensinar aos catecúmenos a renovação profunda do Batismo, radical purificação de qualquer pecado (Pro-Catequese n. 15). Também ele exaltará, através das palavras do Salmista, a misericórdia divina. Concluímos com as suas palavras a nossa catequese: "Deus é misericordioso e não poupa o seu perdão... Não superará a grandeza da misericórdia de Deus o acúmulo dos teus pecados: não superará a maestria do sumo Médico a gravidade das tuas feridas: se a ele te abandonares com confiança. Manifesta ao Médico o teu mal, e ao expô-lo com as palavras que David disse: "Eis que confessarei sempre ao Senhor a minha iniquidade". Assim obterás que se realizem as outras: "Tu perdoaste as infidelidades do meu coração"" (As catequeses, Roma 1993, pág 52-53).
PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 19 de Maio de 2004
Diretório Franciscano - Salmo 31 (Espanhol)
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