quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 29


Salmo 29


1.Salmo. Cântico para a dedicação da casa de Deus. De Davi.
2.Eu vos exaltarei, Senhor, porque me livrastes, não permitistes que exultassem sobre mim meus inimigos.
3.Senhor, meu Deus, clamei a vós e fui curado.
4.Senhor, minha alma foi tirada por vós da habitação dos mortos; dentre os que descem para o túmulo, vós me salvastes.
5.Ó vós, fiéis do Senhor, cantai sua glória, dai graças ao seu santo nome.
6.Porque a sua indignação dura apenas um momento, enquanto sua benevolência é para toda a vida. Pela tarde, vem o pranto, mas, de manhã, volta a alegria.
7.Eu, porém, disse, seguro de mim: Não serei jamais abalado.
8.Senhor, foi por favor que me destes honra e poder, mas quando escondestes vossa face fiquei aterrado.
9.A vós, Senhor, eu clamo, e imploro a misericórdia de meu Deus.
10.Que proveito vos resultará de retomar-me a vida, de minha descida ao túmulo? Porventura vos louvará o meu pó? Apregoará ele a vossa fidelidade?
11.Ouvi-me, Senhor, e tende piedade de mim; Senhor, vinde em minha ajuda.
12.Vós convertestes o meu pranto em prazer, tirastes minhas vestes de penitência e me cingistes de alegria.
13.Assim, minha alma vos louvará sem calar jamais. Senhor, meu Deus, eu vos bendirei eternamente.

Ação de graças pela libertação da morte


1. Eleva-se a Deus, do coração do orante, uma acção de graças intensa e suave depois de se ter dissolvido nele o pesadelo da morte. Eis o sentimento que sobressai com vigor no Salmo 29, que agora ressoou não só aos nossos ouvidos, mas sem dúvida também nos nossos corações.
Este hino de gratidão possui uma notável dedicadeza literária e fundamenta-se sobre uma série de contrastes que expressam de maneira simbólica a libertação obtida pelo Senhor. Assim, o "descer ao túmulo" opõe-se ao "livrar a alma da mansão dos mortos" (cf. v. 4); a "indignação de um instante" por parte de Deus, substitui-se "à benevolência para toda a vida" (v. 6); o "pranto" noturno é substituído pela "alegria" da manhã (ibid.); ao "lamento" sucede a "dança", às "vestes" fúnebres de "saco", o "hábito de alegria" (v. 12).
Por conseguinte, tendo passado a noite da morte, desperta o alvorecer do novo dia. A tradição cristã leu, pois, este Salmo como um cântico pascal. Confirma isto a citação de abertura que a edição do texto litúrgico das Vésperas deduz de um grande escritor monástico do século IV, João Cassiano:  "Cristo dá graças ao Pai pela sua ressurreição gloriosa".
2. O orante dirige-se com insistência ao "Senhor" não menos de 8 vezes tanto para anunciar que O louvará (cf. vv. 2 e 13), como para recordar o brado que a Ele foi elevado no tempo da prova (cf. vv. 3 e 9) e a sua intervenção libertadora (cf. vv. 2-4.8.12), como para invocar novamente a sua misericórdia (cf. v. 11). Noutro trecho, ele convida os fiéis a cantar hinos ao Senhor para lhe dar graças (cf. v. 5).
As sensações oscilam constantemente entre a recordação terrível do pesadelo vivido e a alegria da libertação. Sem dúvida, o perigo superado é grave e ainda consegue fazer arrepiar; a memória do sofrimento passado é ainda nítida e viva; há pouco que as lágrimas dos olhos se enxugaram. Mas já surgiu a aurora de um novo dia; a morte foi substituída pela perspectiva da vida que continua.
3. O Salmo demonstra assim que nunca nos devemos deixar seduzir pelo enredo obscuro do desespero, quando parece que tudo já se perdeu. Sem dúvida, é preciso evitar cair na ilusão de salvar-se sozinho, com os próprios recursos. De facto, o Salmista é tentado pela soberba e pela auto-suficiência:  "Eu dizia na minha felicidade:  "Jamais serei abalado"!" (v. 7).
Também os Padres da Igreja refletiram sobre esta tentação que se insinua no tempo da prosperidade, e viram na prova uma chamada divina à humildade. Assim faz, por exemplo, São Fulgêncio, Bispo de Ruspe (467-532), na sua Epístola 3, dirigida à religiosa Proba, na qual comenta o trecho do Salmo com estas palavras:  "O Salmista confessava que por vezes se tinha envaidecido de ser sadio, como se fosse uma sua virtude, e que nisto tinha visto o perigo de uma gravíssima enfermidade. De facto, diz:  ..."Eu dizia na minha felicidade:  jamais serei abalado!". E visto que, dizendo isto, tinha sido abandonado do apoio da graça divina e, perturbado, precipitou na sua enfermidade, continua dizendo:  "Senhor, foste bom para mim e deste-me segurança; mas, se escondes a tua face, logo fico perturbado". Além disso, para mostrar que a ajuda da graça divina, mesmo quando já a possuímos, deve ser contudo invocada humildemente sem ininterrupção, ele acrescenta ainda:  "A ti brado, Senhor, peço a ajuda ao meu Deus". Aliás, ninguém eleva a oração nem faz pedidos sem reconhecer as suas faltas, nem considera poder conservar  aquilo  que  possui  confiando  unicamente  na  própria  virtude" (Fulgêncio de Ruspe, As Cartas, Roma 1999, pág. 113).
4. Depois de ter confessado a tentação de soberba que teve no tempo da prosperidade, o salmista recorda a prova que a ela se seguiu, dizendo ao Senhor:  "Se escondes a tua face, logo fico perturbado" (v. 8).
Então, o orante recorda de que maneira implorou o Senhor (cf. vv. 9-11):  gritou, pediu ajuda, suplicando que fosse salvaguardado da morte, apresentando como razão o facto de que a morte não traz vantagem alguma para Deus, dado que os mortos já não estão em condições de louvar a Deus, nem têm motivos para proclamar a fidelidade de Deus, tendo sido abandonados por Ele.
Encontramos os mesmos argumentos no Salmo 87, no qual o orante, próximo da morte, pede a Deus:  "Poderá a tua bondade ser exaltada no sepulcro ou a tua fidelidade, na mansão dos mortos?" (Sl 87, 12). De modo semelhante, o rei Ezequias, que estava gravemente doente mas que depois se curou, dizia a Deus:  "O abismo dos mortos não te louvará, nem a morte te celebrará... apenas os vivos te podem louvar" (Is 38, 18-19).
O Antigo Testamento exprimia assim o intenso desejo humano de uma vitória de Deus sobre a morte e referia diversos casos em que esta vitória tinha sido obtida:  pessoas ameaçadas de morrer de fome no deserto, presos que se livraram da pena de morte, doentes que se curaram, marinheiros salvos do naufrágio (cf. Sl 106, 4-32). Tratava-se contudo de vitórias não definitivas. Cedo ou tarde, a morte conseguia prevalecer sempre.
Contudo, a aspiração pela vitória manteve-se sempre e tornou-se, no final, uma esperança de ressurreição. A satisfação desta poderosa aspiração foi plenamente garantida com a ressurreição de Cristo, pela qual o nosso agradecimento nunca será demasiado.

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-Feira, 12 de Maio de 2004



Diretório Franciscano - Salmo 29 (Espanhol)


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