Salmo 15
1.Poema de Davi. Guardai-me, ó Deus, porque é em vós que procuro refúgio.
2.Digo a Deus: Sois o meu Senhor, fora de vós não há felicidade para mim.
3.Quão admirável tornou Deus o meu afeto para com os santos que estão em sua terra.
4.Numerosos são os sofrimentos que suportam aqueles que se entregam a estranhos deuses. Não hei de oferecer suas libações de sangue e meus lábios jamais pronunciarão o nome de seus ídolos.
5.Senhor, vós sois a minha parte de herança e meu cálice; vós tendes nas mãos o meu destino.
6.O cordel mediu para mim um lote aprazível, muito me agrada a minha herança.
7.Bendigo o Senhor porque me deu conselho, porque mesmo de noite o coração me exorta.
8.Ponho sempre o Senhor diante dos olhos, pois ele está à minha direita; não vacilarei.
9.Por isso meu coração se alegra e minha alma exulta, até meu corpo descansará seguro,
10.porque vós não abandonareis minha alma na habitação dos mortos, nem permitireis que vosso Santo conheça a corrupção.
11.Vós me ensinareis o caminho da vida, há abundância de alegria junto de vós, e delícias eternas à vossa direita.
O Senhor é a minha herança
1. Temos a oportunidade de meditar sobre um Salmo de forte tensão espiritual, depois de o ter ouvido e tornado oração. Não obstante as dificuldades textuais, que o original hebraico revela sobretudo nos primeiros versículos, o Salmo 15 é um cântico luminoso de inspiração mística, como sugere já a profissão de fé colocada na abertura: "Tu és o meu Deus, és o meu bem e nada existe fora de ti" (v. 2). Portanto, Deus é visto como o único bem e por isso o orante escolhe colocar-se no âmbito da comunidade de todos aqueles que são fiéis ao Senhor: "Para os santos, que estão sobre a terra, homens nobres, é todo o meu amor" (v. 3). Por essa razão o Salmista rejeita radicalmente a tentação da idolatria com os seus ritos sanguinários e com as suas invocações blasfemas (cf.v. 4).
Trata-se de uma escolha de campo categórica e decidida, que parece reflectir a do Salmo 72, outro canto de confiança em Deus, conquistada através de uma opção moral forte e difícil: "Quem teria eu no céu? Contigo, nada mais me agrada na terra... Quanto a mim, estar junto de Deus é o meu bem! Em Deus coloquei o meu abrigo" (Sl 72, 25.28).
2. O nosso Salmo desenvolve dois temas que são expressos através de três símbolos: antes de mais, o símbolo da "herança", termo que sustenta os versículos 5-6: de facto, fala-se de "herança, cálice, sorte". Estes vocábulos eram usados para descrever o dom da terra prometida ao povo de Israel. Nós sabemos agora que a única tribo que não tinha recebido uma porção de terra era a dos Levitas, porque o próprio Senhor constituía a sua herança. O Salmista declara justamente: "Senhor, minha herança... é preciosa a herança que me coube" (Sl 15, 5.6). Ele suscita, portanto, a impressão de ser um sacerdote que proclama a alegria de ser totalmente dedicado ao serviço de Deus.
Santo Agostinho comenta: "O Salmista não diz: Ó Deus, dai-me uma herança! O que me dareis como herança? Ao contrário, diz: tudo o que me podeis dar fora de vós é insignificante. Sede vós mesmo a minha herança. Sois vós que amo... Esperar Deus de Deus, ser pleno de Deus por Deus. Ele te basta, fora dele nada te pode bastar" (cf. Sermão 334, 3: PL 38, 1469).
3. O segundo tema é o da comunhão perfeita e contínua com o Senhor. O Salmista exprime a firme esperança de ser preservado da morte para poder permanecer na intimidade de Deus, que não é mais possível na morte (cf. Sl 6, 6; 87,6). Todavia, as suas expressões não limitam esta preservação; aliás, podem ser entendidas como uma vitória sobre a morte que assegura a intimidade eterna com Deus.
Os símbolos usados pelo orante são dois. Antes de tudo, é o corpo a ser evocado: os exegetas dizem-nos que no original hebraico (cf. Sl 15, 7-10) se fala de "rins", símbolo das paixões e da interioridade mais escondida, de "direita", sinal de força, de "coração", sede da consciência, até de "fígado", que exprime a emotividade, de "carne", que indica a existência frágil do homem, e enfim, de "sopro de vida".
É, portanto, a representação do "ser inteiro" da pessoa, que não é absorvido e aniquilado na corrupção do sepulcro (cf. v. 10), mas mantido na vida plena e feliz com Deus.
4. Eis, então, o segundo símbolo do Salmo 15, o do "caminho": "Hás-de ensinar-me o caminho da vida" (v. 11). É a estrada que conduz à "plena alegria na presença" divina, à "doçura sem fim, à direita" do Senhor. Estas palavras adaptam-se perfeitamente a uma interpretação que alarga a perspectiva à esperança da comunhão com Deus, além da morte, na vida eterna.
Neste ponto, é fácil intuir como o Salmo foi acolhido pelo Novo Testamento em vista da ressurreição de Cristo. São Pedro, no seu discurso de Pentecostes, cita precisamente a segunda parte do hino com uma aplicação pascal e cristológica luminosa: "Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte" (Act 2, 24).
São Paulo refere-se ao Salmo 15 no anúncio da Páscoa de Cristo, durante o seu discurso na sinagoga de Antioquia da Pisídia. Nesta luz, também nós o proclamamos: "Não deixarás o teu Santo ver a corrupção. Ora David, depois de servir na sua vida os desígnios de Deus, morreu; foi reunir-se aos seus pais e viu a corrupção. Mas aquele que Deus ressuscitou ou seja, Jesus Cristo não viu a corrupção" (Act 13, 35-37).
PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 28 de Julho de 2004
Diretório Franciscano - Salmo 15 (Espanhol)
Comentário de Santo Agostinho:
1 - "Título: De Davi". Fala no presente salmo nosso Rei, segundo a natureza humana. O título de rei salientou-se na inscrição, no tempo da paixão.
2 - Reza o salmista: "Guarda-me, Senhor, pois em ti esperei. Disse ao Senhor: És o meu Deus, não precisas de meus bens". Não esperas tornar-te feliz com os meus bens.
3 - "Quanto aos santos que estão em sua terra", os santos que puseram sua esperança na terra dos vivos, cidadãos da Jerusalém celeste, cuja cidadania espiritual, pela âncora da esperança firma-se naquela pátria, denominada com razão terra de Deus, embora ainda estejam corporalmente aqui, na terra. "Realizou admiravelmente neles todos os seus anelos". Nestes santos Deus tornou admiráveis todas as minhas vontades, em proveito deles próprios, porque compreenderam quanto lhes aproveitou a humanidade que a divindade do Verbo assumiu, para que eu pudesse morrer, e a divindade unida à humanidade, para eu ressuscitar.
4 - "As fraquezas deles se multiplicaram", não para sua ruína, mas a fim de aspirarem por um médico. "Depois, precipitaram-se". Multiplicadas as suas enfermidades, apressaram-se em buscar a cura. "Não os congregarei em reuniões cruentas". Suas reuniões não serão carnais, nem os congregarei, aplacado pelo sangue dos animais. "Nem recordarei seus nomes, proferindo-os com os lábios". Transformados espiritualmente, esquecer-se-ão do que foram. Já não os chamarei de pecadores, inimigos ou homens e sim justos, meus irmãos e filhos de Deus, por causa da paz que eu lhes dei.
5 - "O Senhor é a porção de minha herança e de meu cálice". Comigo eles possuirão a herança, o próprio Senhor. Outros escolham, para sua fruição, porções terrenas e temporais; a porção dos santos é o Senhor, que é eterno. Bebem os outros mortíferos prazeres; a porção de meu cálice é o Senhor. Digo: "Meu", pois a mim acrescento a Igreja; onde está a Cabeça, aí se acha também o corpo. Tendo em vista a herança, convocarei suas reuniões e inebriado pelo cálice, esquecer-me-ei de suas antigas designações. "És tu que me restituis a herança", para que seja conhecida, também daqueles que liberto, a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse (Jo 17,5). Não me restituis o que não perdi, mas restituis àqueles que o perderam, o conhecimento de sua glória. E como estou neles, "Tu me restituis".
6 - "Caíram meus cordéis em parte esplêndida". Os limites de minha propriedade, de certo modo por sorte caíram em tua glória, assim como a posse dos sacerdotes e levitas é Deus. "A minha herança, portanto, é excelente". É ótima a minha herança, não para todos, mas para os que sabem ver. Como estou neles, é "para mim".
7 - "Bendirei o Senhor que me deu entendimento", possibilitando-me ver e possuir esta herança. "Além disso, até de noite meus rins me exortaram". Além do entendimento, a parte inferior, a carne que assumi, instruiu-me até a morte, para que eu experimentasse as trevas da mortalidade, que não existem no intelecto.
8 - "Via sempre o Senhor diante de mim". Tendo vindo ao que é transitório, não tirei os olhos do permanente, prevendo que, passadas as coisas temporais, voltaria a ele. "Porque está a minha direita, não serei abalado". Ajuda-me a permanecer nele de modo estável.
9 - "Por isso se alegrou o meu coração e a minha língua exultou". Por esta razão, a alegria enche meus pensamentos e a exultação transparece em minhas palavras. "Mais ainda. Minha própria carne repousará na esperança". Além disso, minha carne não definhará até morrer, mas adormecerá com a esperança da ressurreição.
10 - "Porque não entregarás ao inferno a minha alma". Não entregarás ao domínio do inferno a minha alma. "Nem permitirás que teu santo experimente a corrupção". Não permitirás que se corrompa o corpo santificado, que há de santificar os outros. "Deste-me a conhecer os caminhos da vida". Por meu intermédio manifestaste os caminhos da humildade, a fim de que voltem à vida os homens, decaídos pela soberba. Como entre eles me encontro, "deste-me a conhecer. Encher-me-ás de alegria ante a tua face". Enchê-los-ás de alegria de tal sorte que não irão procurar outra coisa, quando te houverem visto face a face. Uma vez que eu estou neles: "encher-me-ás. Delícias infindas acham-se à tua destra". Delícias encontram-se em teu favor e em tua propiciação no caminhar desta vida, que conduz ao termo, à glória de tua presença.
4 - "As fraquezas deles se multiplicaram", não para sua ruína, mas a fim de aspirarem por um médico. "Depois, precipitaram-se". Multiplicadas as suas enfermidades, apressaram-se em buscar a cura. "Não os congregarei em reuniões cruentas". Suas reuniões não serão carnais, nem os congregarei, aplacado pelo sangue dos animais. "Nem recordarei seus nomes, proferindo-os com os lábios". Transformados espiritualmente, esquecer-se-ão do que foram. Já não os chamarei de pecadores, inimigos ou homens e sim justos, meus irmãos e filhos de Deus, por causa da paz que eu lhes dei.
5 - "O Senhor é a porção de minha herança e de meu cálice". Comigo eles possuirão a herança, o próprio Senhor. Outros escolham, para sua fruição, porções terrenas e temporais; a porção dos santos é o Senhor, que é eterno. Bebem os outros mortíferos prazeres; a porção de meu cálice é o Senhor. Digo: "Meu", pois a mim acrescento a Igreja; onde está a Cabeça, aí se acha também o corpo. Tendo em vista a herança, convocarei suas reuniões e inebriado pelo cálice, esquecer-me-ei de suas antigas designações. "És tu que me restituis a herança", para que seja conhecida, também daqueles que liberto, a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse (Jo 17,5). Não me restituis o que não perdi, mas restituis àqueles que o perderam, o conhecimento de sua glória. E como estou neles, "Tu me restituis".
6 - "Caíram meus cordéis em parte esplêndida". Os limites de minha propriedade, de certo modo por sorte caíram em tua glória, assim como a posse dos sacerdotes e levitas é Deus. "A minha herança, portanto, é excelente". É ótima a minha herança, não para todos, mas para os que sabem ver. Como estou neles, é "para mim".
7 - "Bendirei o Senhor que me deu entendimento", possibilitando-me ver e possuir esta herança. "Além disso, até de noite meus rins me exortaram". Além do entendimento, a parte inferior, a carne que assumi, instruiu-me até a morte, para que eu experimentasse as trevas da mortalidade, que não existem no intelecto.
8 - "Via sempre o Senhor diante de mim". Tendo vindo ao que é transitório, não tirei os olhos do permanente, prevendo que, passadas as coisas temporais, voltaria a ele. "Porque está a minha direita, não serei abalado". Ajuda-me a permanecer nele de modo estável.
9 - "Por isso se alegrou o meu coração e a minha língua exultou". Por esta razão, a alegria enche meus pensamentos e a exultação transparece em minhas palavras. "Mais ainda. Minha própria carne repousará na esperança". Além disso, minha carne não definhará até morrer, mas adormecerá com a esperança da ressurreição.
10 - "Porque não entregarás ao inferno a minha alma". Não entregarás ao domínio do inferno a minha alma. "Nem permitirás que teu santo experimente a corrupção". Não permitirás que se corrompa o corpo santificado, que há de santificar os outros. "Deste-me a conhecer os caminhos da vida". Por meu intermédio manifestaste os caminhos da humildade, a fim de que voltem à vida os homens, decaídos pela soberba. Como entre eles me encontro, "deste-me a conhecer. Encher-me-ás de alegria ante a tua face". Enchê-los-ás de alegria de tal sorte que não irão procurar outra coisa, quando te houverem visto face a face. Uma vez que eu estou neles: "encher-me-ás. Delícias infindas acham-se à tua destra". Delícias encontram-se em teu favor e em tua propiciação no caminhar desta vida, que conduz ao termo, à glória de tua presença.
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