quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 113


Salmo 113 A  -  Salmo 113 B

1.Aleluia. Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó se apartou de um povo bárbaro,
2.a terra de Judá tornou-se o santuário do Senhor, e Israel seu reino.
3.O mar, à vista disso, fugiu, o Jordão volveu atrás.
4.Os montes saltaram como carneiros; as colinas, como cordeiros.
5.Que tens, ó mar, para assim fugires? E tu, Jordão, para retrocederes para a tua fonte?
6.Ó montes, por que saltastes como carneiros, e vós, colinas, como cordeiros?
7.Ante a face de Deus, treme, ó terra,
8.por quem o rochedo se mudou em lençol de água, e a pedra em fonte de água viva.
9.(1) Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória, por amor de vossa misericórdia e fidelidade.
10.(2) Por que diriam as nações pagãs: Onde está o Deus deles?
11.(3) Nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz.
12.(4) Quanto a seus ídolos de ouro e prata, são eles simples obras da mão dos homens.
13.(5) Têm boca, mas não falam, olhos e não podem ver,
14.(6) têm ouvidos, mas não ouvem, nariz e não podem cheirar.
15.(7) Têm mãos, mas não apalpam, pés e não podem andar, sua garganta não emite som algum.
16.(8) Semelhantes a eles sejam os que os fabricam e quantos neles põem sua confiança.
17.(9) Mas Israel, ao contrário, confia no Senhor: ele é o seu amparo e o seu escudo.
18.(10) Aarão confia no Senhor: ele é o seu amparo e o seu escudo.
19.(11) Confiam no Senhor os que temem o Senhor: ele é o seu amparo e o seu escudo.
20.(12) O Senhor se lembra de nós e nos dará a sua bênção; abençoará a casa de Israel, abençoará a casa de Aarão,
21.(13) abençoará aos que temem ao Senhor, os pequenos como os grandes.
22.(14) O Senhor há de vos multiplicar, vós e vossos filhos.
23.(15) Sede os benditos do Senhor, que fez o céu e a terra.
24.(16) O céu é o céu do Senhor, mas a terra ele a deu aos filhos de Adão.
25.(17) Não são os mortos que louvam o Senhor, nem nenhum daqueles que descem aos lugares infernais.
26.(18) Mas somos nós que bendizemos ao Senhor agora e para sempre.


Maravilhas do êxodo do Egipto
1. O jubiloso e triunfal cântico que acabamos de proclamar, recorda o êxodo de Israel da opressão dos egípcios. O Salmo 113 faz parte daquela colectânia que a tradição judaica chamou "Hallel egípcio". São os Salmos 112-117, uma espécie de fascículo de cânticos, usados sobretudo na liturgia judaica da Páscoa.
O cristianismo adoptou o Salmo 113 com a mesma conotação pascal, mas abriu-o à nova leitura derivante da ressurreição de Cristo. Por isso, o êxodo celebrado pelo Salmo torna-se figura de outra libertação mais radical e universal. Dante, na Divina Comédia, coloca este hino, segundo a versão latina da Vulgata, nos lábios das almas do Purgatório:  "In exitu Israël de Aegypto / cantavam todos juntos em uníssono..." (Purgatorio II, 46-47). O que significa que ele vê no Salmo o cântico da expectativa e da esperança de quantos estão orientados, depois da purificação de todos os pecados, para a meta derradeira da comunhão com Deus no Paraíso.
2. Sigamos agora o enredo temático e espiritual desta breve composição orante. Na abertura (cf. vv. 1-2) evoca-se o êxodo de Israel da opressão egípcia até à entrada naquela terra prometida que é o "santuário" de Deus, ou seja, o lugar da sua presença entre o povo. Aliás, terra e povo são unidos:  Judá e Israel, palavras com as quais se designava quer a terra santa quer o povo eleito, são considerados como sede da presença do Senhor, sua propriedade e herança especiais (cf. Êx 19, 5-6).
Depois desta descrição teológica de um dos elementos de fé fundamentais do Antigo Testamento, ou seja, a proclamação das obras maravilhosas de Deus para o seu povo, o Salmista aprofunda espiritual e simbolicamente os seus acontecimentos constitutivos.
3. O Mar Vermelho do êxodo do Egipto e o Jordão da entrada na Terra santa são personificados e transformados em testemunhas e instrumentos partícipes da libertação realizada pelo Senhor (cf. Sl 113, 3.5).
No início, no êxodo, eis que o mar se retira para deixar passar Israel e, no final da marcha no deserto, eis que as águas do Jordão ficaram completamente separadas, deixando o seu leito seco para que a procissão dos filhos de Israel o pudesse atravessar (cf. Js 3.-4). No centro, recorda-se a experiência do Sinai:  agora são os montes que participam da grande revelação divina, que se realiza sobre as suas colinas. Semelhantes a criaturas vivas, como os carneiros e os cordeiros, eles estremecem e saltam. Com uma personificação muito vivaz, o Salmista interroga então os montes e as colinas acerca do motivo da sua perturbação:  "Montes, porque saltais como carneiros, e vós, colinas, como cordeiros?" (Sl 113, 6). Não é referida a sua resposta:  é dada directamente por meio de uma ordem, dirigida depois à terra, para que tremesse com a chegada do Senhor, Deus de Israel, um acto de exaltação gloriosa do Deus transcendente e salvador.
4. É este o tema da parte final do Salmo 113 (cf. v. 7-8), que introduz outro acontecimento significativo da marcha de Israel no deserto, o da água que saía da rocha de Meribá (cf. Êx 17, 1-7; Nm 20, 1-13). Deus transforma a rocha numa nascente de água, que se torna um lago:  na base deste prodígio está a sua solicitude paterna em relação ao povo.
O gesto adquire, então, um significado simbólico:  é o sinal do amor salvífico do Senhor que ampara e regenera a humanidade enquanto progride no deserto da história.
Como se sabe, São Paulo retomará esta imagem e, com base numa tradição judaica segundo a qual a rocha acompanhava Israel no seu percurso no deserto, lê de novo o acontecimento em chave cristológica:  "Todos beberam da mesma bebida espiritual; pois bebiam de um rochedo espiritual que os seguia, e esse rochedo era Cristo" (1 Cor 10, 4).
Neste contexto, um grande mestre cristão como Orígenes, ao comentar a saída do povo de Israel do Egipto, pensa no novo êxodo realizado pelos cristãos. De facto, ele exprime-se do seguinte modo:  "Não penses que só então Moisés tenha guiado o povo para fora do Egipto:  também agora o Moisés que temos connosco..., isto é, a lei de Deus quer guiar-te fora do Egipto; se a ouvires, quer afastar-te do Faraó... Não quer que tu permaneças nas acções tenebrosas da carne, mas que vás ao deserto, que alcances o lugar privado das perturbações e das flutuações do século, que chegues à tranquilidade e ao silêncio... Por conseguinte, quando chegares a este lugar, lá poderás imolar ao Senhor, reconhecer a lei de Deus e o poder da voz divina" (Homilias sobre o Êxodo, Roma 1981, pp. 71-72).
Retomando a imagem paulina que recorda a travessia do mar, Orígenes continua:  "O Apóstolo chama a isto um baptismo, realizado em Moisés na nuvem e no mar, para que tu, que foste baptizado em Cristo, na água e no Espírito Santo, saibas que os egípcios estão no teu seguimento e querem chamar-te ao seu serviço, ou seja, aos regedores deste mundo e aos espíritos malvados dos quais antes foste escravo. Sem dúvida, eles procurarão seguir-te, mas tu desces à água e salvas-te incólume e, tendo lavado as manchas dos pecados, sobes  como  um  homem  novo  preparado  para  cantar  o  cântico  novo" (Ibid., pág. 107).


PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 3 de Dezembro de 2003


Diretório Franciscano - Salmo 113 A (Espanhol)



Louvor ao verdadeiro Deus
Amados Irmãos e Irmãs
1. O Deus vivo e o ídolo inerte embatem-se no Salmo 113 B, que acabámos de ouvir, e faz parte da série dos Salmos das Vésperas. A antiga tradução grega da Bíblia chamada dos Setenta, seguida pela versão latina da antiga Liturgia cristã, uniu este Salmo em honra do verdadeiro Senhor ao Salmo precedente. Disto derivou uma única composição que é, contudo, claramente cadenciada em dois textos distintos (cf. Sl 113 A e 113 B).
Depois de uma palavra inicial, dirigida ao Senhor para dar testemunho da sua glória, o povo eleito apresenta o seu Deus como o Criador todo-poderoso: "O nosso Deus está no céu e realiza tudo o que deseja" (Sl 113 B, 3). "Fidelidade e graça" são as virtudes típicas do Deus da aliança, em relação ao povo por Ele eleito, Israel (cf. n. 1). Assim, o cosmos e a história encontram-se sob a sua soberania, que é poder de amor e de salvação.
2. Ao Deus verdadeiro, adorado por Israel, são imediatamente opostos "os ídolos das gentes" (v. 4). A idolatria é uma tentação de toda a humanidade, em todas as terras e em todos os tempos. O ídolo é uma coisa inanimada, nascida das mãos do homem, estátua fria, sem vida. O Salmista descreve-a com ironia nos seus sete membros, totalmente inúteis: boca muda, olhos cegos, ouvidos surdos, narinas insensíveis aos aromas, mãos inertes, pés paralisados, garganta desprovida da emissão de sons (cf. vv. 5-7).
Depois desta crítica cruel dos ídolos, o Salmista expressa um desejo sarcástico: "Fiquem como eles os que os fazem e todos os que neles confiam" (v. 8). É um desejo expresso de uma forma seguramente eficaz, para produzir um efeito de dissuasão radical em relação à idolatria. Quem adora os ídolos da riqueza, do poder e do sucesso perde a sua dignidade de pessoa humana. O profeta Isaías dizia: "Os fabricantes de estátuas nada são e as suas coisas preferidas não têm valor. Os seus devotos nada vêem nem conhecem, e por isso acabam por ser enganados" (44, 9).
3. Ao contrário, os fiéis do Senhor sabem que encontram no Deus vivo o "seu auxílio" e o "seu escudo" (cf. Sl 113 B, 9-13). Eles são apresentados segundo uma categoria tríplice. Em primeiro lugar está "a casa de Israel", ou seja, todo o povo, a comunidade que se reúne no templo para rezar. Ali encontra-se também a "casa de Araão", que remete para os sacerdotes, guardiães e anunciadores da Palavra divina, chamados a presidir ao culto. Por fim, evocam-se aqueles que temem o Senhor, ou seja, os fiéis autênticos e constantes, que no judaísmo sucessivo ao exílio babilónico e mais tarde denotam também aqueles pagãos que se aproximavam da comunidade e da fé de Israel com um coração sincero e com uma busca genuína. Assim será, por exemplo, o centurião romano Cornélio (cf. Act 10, 1-2.22), sucessivamente convertido ao cristianismo por São Pedro.
Sobre estas três categorias de verdadeiros crentes desce a bênção divina (cf. Sl 113 B, 12-15). Segundo a concepção bíblica, ela é fonte de fecundidade: "Que o Senhor vos multiplique, a vós a aos vossos filhos" (v. 14). Enfim os fiéis, felizes pelo dom da vida, recebido do Deus vivo e criador, entoam um breve hino de louvor, respondendo à bênção eficaz de Deus com a sua bênção agradecida e confiante (cf. vv. 16-18).
4. De modo vivaz e sugestivo, um Padre da Igreja do Oriente, São Gregório de Nissa (século IV), na quinta Homilia sobre o Cântico dos Cânticos, evoca o nosso Salmo para descrever a passagem da humanidade do "gelo da idolatria" à primavera da salvação. Com efeito, recorda São Gregório, a própria natureza humana se transformou, por assim dizer, "em seres imóveis" e sem vida "que se fizeram objecto de culto", como de facto está escrito: "Fiquem como eles os que os fazem e todos os que neles confiam". "E era lógico que isto acontecesse. Assim como, com efeito, aqueles que dirigem o seu olhar para o verdadeiro Deus recebem em si as peculiaridades da natureza divina, também o homem que se volta para a vaidade dos ídolos passou a ser como aquele que olhava, tornando-se pedra. Portanto, dado que a natureza humana, que se tornou pedra por causa da idolatria, permaneceu imóvel diante do melhor, encerrada no gelo do culto dos ídolos, por este motivo nasce neste Inverno tremendo o Sol da justiça e desponta a Primavera do sopro do meio-dia, que derrete este gelo e aquece, com o nascer dos raios daquele sol, tudo o que está por baixo; e assim o homem, que foi transformado em pedra por obra do gelo, aquecido pelo Espírito e pelos raios do Logos, voltou a ser a água que jorrava para a vida eterna" (Homilias sobre o Cântico dos Cânticos, Roma 1988, pp. 133-134).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 1 de Setembro de 2004



Diretório Franciscano - Salmo 113 B (Espanhol)






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