Salmo 114
1.Aleluia. Amo o Senhor, porque ele ouviu a voz de minha súplica,
2.porque inclinou para mim os seus ouvidos no dia em que o invoquei.
3.Os laços da morte me envolviam, a rede da habitação dos mortos me apanhou de improviso; estava abismado na aflição e na ansiedade.
4.Foi então que invoquei o nome do Senhor: Ó Senhor, salvai-me a vida!
5.O Senhor é bom e justo, cheio de misericórdia é nosso Deus.
6.O Senhor cuida dos corações simples; achava-me na miséria e ele me salvou.
7.Volta, minha alma, à tua serenidade, porque o Senhor foi bom para contigo,
8.pois livrou-me a alma da morte, preservou-me os olhos do pranto, os pés da queda.
9.Na presença do Senhor continuarei o meu caminho na terra dos vivos.
Acção de graças
1. No salmo 116 [114-115], que acaba de ser proclamado, a voz do Salmista expressa o amor reconhecido pelo Senhor, depois da realização de uma súplica intensa: "Amo o Senhor, porque ouviu a voz do meu lamento. Ele inclinou para mim os seus ouvidos, no dia em que o invoquei" (vv. 1-2). Imediatamente após esta declaração de amor, tem-se uma profunda descrição do pesadelo mortal que atormentou a vida do orante (cf. vv. 3-6).
O drama é representado com os símbolos habituais presentes nos Salmos. Os laços que prendem a existência são os da morte, as cordas que a angustiam são as espirais dos sepulcros, que querem atrair a si os vivos sem jamais se aplacar (cf. Pr 30, 15-16).
2. A imagem é a de uma presa que caiu na armadilha de um caçador inexorável. A morte é como uma mordaça que aperta (cf. Sl 114, 3). Portanto, por detrás do orante encontra-se um perigo de morte, acompanhado de uma experiência psíquica dolorosa: "[Eu] estava aflito e cheio de saudade" (v. 3). Contudo, desse abismo trágico foi lançado um grito ao Único que pode estender a mão e tirar o orante angustiado daquele enredo inextricável: "Ó Senhor, salva-me a vida!" (v. 4).
É uma oração breve mas intensa do homem que, encontrando-se numa situação desesperada, se agarra à única tábua de salvação. Assim, no Evangelho, bradaram os discípulos na tempestade (cf. Mt 8, 25), assim implorou Pedro quando, caminhando sobre as águas do mar, começava a afundar (cf. Mt 14,30).
3. Tendo sido salvo, o orante proclama que o Senhor é "bondoso e compassivo", aliás, "misericordioso" (Sl 114, 5). No horizonte hebraico, este último adjectivo remete para a ternura da mãe, de quem ele evoca as "entranhas".
A confiança autêntica sente sempre Deus como amor, embora em certos momentos seja difícil intuir o percurso da sua acção. De qualquer forma, permanece certo que "o Senhor guarda os simples" (v. 6). Portanto, na miséria e no abandono pode-se contar sempre com ele, "pai dos órfãos e defensor das viúvas" (Sl 68 [67], 6).
4. Agora tem início um diálogo do Salmista com a sua alma, que continuará no sucessivo Salmo 115, a considerar-se um só com o nosso. Foi o que fez a tradição judaica, dando origem ao único Salmo 116, segundo a numeração hebraica do Saltério. O Salmista convida a sua alma a voltar a encontrar a paz serena, depois do pesadelo mortal (cf. Sl 114, 7).
Invocado com fé, o Senhor estendeu a mão, rompeu os laços que amordaçavam o orante, enxugou as lágrimas dos seus olhos e deteve a sua descida precipitosa ao abismo infernal (cf. v. 8). A mudança já é clara e o cântico termina com uma cena de luz: o orante volta "ao mundo dos vivos", ou seja, pelos caminhos da terra, para andar na "presença do Senhor". Ele une-se à oração comunitária no templo, antecipação daquela comunhão com Deus, que o aguardará no final da sua existência (cf. n. 9).
5. Enfim, gostaríamos de retomar os trechos mais importantes do Salmo, deixando-nos orientar por um grande escritor cristão do século III, Orígenes, cujo comentário ao Salmo 114, em grego, chegou até nós na versão latina de São Jerónimo.
Ao ler que o Senhor "inclinou para mim os seus ouvidos", ele observa: "Nós somos pequenos e humildes, e não podemos estender-nos nem elevar-nos para o alto; é por isso que o Senhor inclina os seus ouvidos e se digna ouvir-nos. Afinal, dado que somos homens e não podemos tornar-nos deuses, Deus fez-se homem e inclinou-se, segundo quanto está escrito: "Inclinou os céus e desceu" (Sl 18 [17], 10)".
Com efeito, o Salmo continua: "O Senhor guarda os simples" (Sl 114, 6): "Se alguém é grande, se se exalta e é soberbo, o Senhor não o protege; se alguém se julga grande, o Senhor não tem misericórdia dele; mas se alguém se humilha, o Senhor tem misericórdia dele e protege-o. A tal ponto que diz: "Eis que eu e os filhos que o Senhor me deu" (Is 8, 18). E ainda: "Eu estava sem forças e Ele salvou-me"".
Assim, quem é pequeno e desventurado pode voltar à paz e ao descanso, como diz o Salmo (cf. Sl 114, 7) e como comenta o próprio Orígenes: Quando se diz: "Volta ao teu repouso", é sinal que antes tinha o descanso e que depois o perdeu... Deus criou-nos bons, fez-nos árbitros das nossas decisões e colocou-nos todos no paraíso, juntamente com Adão. Mas dado que, pela nossa livre decisão, precipitámos daquela bem-aventurança, terminando no vale de lágrimas, por isso o justo exorta a sua alma a voltar ao lugar de onde caiu... "Volta, minha alma, ao teu repouso, porque o Senhor foi bom para contigo". Se tu, alma, voltas ao Paraíso, não é porque és digna disto, mas porque é obra da misericórdia de Deus. Se saíste do Paraíso, foi por tua culpa; contudo, voltar para ali é obra da misericórdia do Senhor. Digamos também nós à nossa alma: "Volta ao teu repouso".
O nosso descanso é Cristo, nosso Deus" (Orígenes-Jerónimo, 74 Homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pp. 409 e 412-413).
PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 26 de Janeiro de 2005
Diretório Franciscano - Salmo 114 (Espanhol)
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