quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 100


Salmo 100

1.Salmo de Davi. Cantarei a bondade e a justiça. A vós, Senhor, salmodiarei.
2.Pelo caminho reto quero seguir. Oh, quando vireis a mim? Caminharei na inocência de coração, no seio de minha família.
3.Não proporei ante meus olhos nenhum pensamento culpável. Terei horror àquele que pratica o mal, não será ele meu amigo.
4.Estará sempre longe de mim o coração perverso, não quero conhecer o mal.
5.Exterminarei o que em segredo caluniar seu próximo. Não suportarei homem arrogante e de coração vaidoso.
6.Meus olhos se voltarão para os fiéis da terra, para fazê-los habitar comigo. Será meu servo o homem que segue o caminho reto.
7.O fraudulento não há de morar jamais em minha casa. Não subsistirá o mentiroso ante meus olhos.
8.Todos os dias extirparei da terra os ímpios, banindo da cidade do Senhor os que praticam o mal.

Programa de um rei fiel a Deus
Queridos irmãos e irmãs
1. Depois das duas catequeses dedicadas ao significado das Celebrações pascais, retomamos a nossa reflexão sobre a Liturgia das Laudes. Ela propõe-nos o Salmo 100, que acabámos de ouvir, para a quarta-feira da 4ª semana.
Trata-se de uma meditação que traça o retrato do homem político ideal, cujo modelo de vida deveria ser o agir divino no governo do mundo: um agir regido por uma integridade moral perfeita e por um compromisso enérgico contra as injustiças. Este texto é proposto agora de novo como um programa de vida para o fiel que começa o seu dia de trabalho e de relações com o próximo. É um programa de "amor e de justiça" (cf. v. 1), que se desenvolve em duas grandes orientações morais.
2. A primeira é chamada "caminho da inocência" e está orientada para a exaltação das opções pessoais de vida, feitas "com um coração integral", isto é, com uma consciência perfeitamente recta (cf. v. 2).
Por um lado, fala-se de maneira positiva das grandes virtudes morais que tornam luminosa a "casa", ou seja, a família do justo (cf. v. 2): a sabedoria que ajuda a compreender bem e a julgar; a inocência que é pureza de coração e de vida; e, por fim, a integridade da consciência que não tolera compromissos com o mal.
Por outro lado, o Salmista introduz um compromisso negativo. Trata-se da luta contra qualquer forma de malvadez e de injustiça, de maneira que se possa afastar da própria casa e das opções pessoais qualquer forma de perversão da ordem moral (cf. vv. 3-4).
Como escreve São Basílio, grande Padre da Igreja do Oriente, na sua obra O baptismo, "nem sequer o prazer momentâneo que possa contaminar o pensamento deve perturbar aquele que se configurou com Cristo numa morte semelhante à sua" (Obras ascéticas, Turim 1980, pág. 548).
3. A segunda orientação é desenvolvida na parte final do Salmo (cf. vv. 5-8) e esclarece a importância dos dotes mais tipicamente públicos e sociais. Também neste caso se enumeram os pontos fundamentais de uma vida que deseja recusar o mal com rigor e decisão.
Antes de mais a luta contra a calúnia e a denúncia secreta, um compromisso básico numa sociedade com tradições orais, que atribuía particular relevo à função da palavra nas relações interpessoais. O rei, que exerce também a função de juiz, anuncia que nesta luta usará a mais rigorosa severidade: exterminará o caluniador (cf. v. 5). Depois, é recusada qualquer forma de arrogância e soberba; é recusada a companhia e os conselhos de quem age sempre com o engano e com a mentira. Por fim, o rei declara de que forma escolherá os seus "servos" (cf. v. 6), ou seja, os seus ministros. Terá a preocupação de os escolher entre "os fiéis do país". Deseja rodear-se de povo íntegro e recusar o contacto com "aquele que fala mentiras" (cf. v. 7).
4. O último versículo do Salmo é particularmente enérgico. Pode causar perplexidade no leitor cristão: "Em cada manhã julgarei severamente todos os ímpios da nação, para exterminar da cidade do Senhor todos quantos praticam o mal" (v. 8). Mas é importante recordar-se de uma coisa: aquele que assim fala não é um indivíduo qualquer, mas o rei, responsável supremo da justiça no país. Com esta frase ele exprime de maneira hiperbólica o seu implacável compromisso de luta contra a criminalidade, um compromisso obrigatório, partilhado por todos os que têm responsabilidades na gestão pública.
Evidentemente não compete a cada cidadão esta tarefa de justiceiro! Por isso, se cada um dos fiéis quer aplicar a si próprio a frase do Salmo, deve fazê-lo em sentido analógico, isto é, decidindo extirpar todas as manhãs do próprio coração e do seu comportamento a erva daninha da corrupção e da violência, da perversão e da malvadez, assim como qualquer forma de egoísmo e de injustiça.
5. Concluímos a nossa meditação retomando o primeiro versículo do Salmo: "Celebrarei o amor e a justiça..." (v. 1). Um antigo escritor cristão, Eusébio de Cesareia, nos seus Comentários aos Salmos, realça a primazia do amor sobre a justiça extremamente necessária: "Celebrarei a tua misericórdia e o teu juízo, mostrando a maneira que te é habitual: não, primeiro julgar e depois ter misericórdia, mas primeiro ter misericórdia e depois julgar, e com clemência e misericórdia pronunciar sentenças. Para isto, eu mesmo, ao exercer a misericórdia e o juízo em relação ao próximo, ouso aproximar-me de ti para, contigo, cantar e honrar. Por conseguinte, consciente de que é preciso agir assim, conservo os meus caminhos imaculados e inocentes, persuadido de que desta forma os meus cânticos te serão agradáveis, por meio das boas obras" (PG 23, 1241).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 30 de Abril de 2003







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