quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 141


Salmo 141

1.Hino de Davi, quando estava na caverna. Oração.
2.Minha voz lança um grande brado ao Senhor, em alta voz imploro ao Senhor.
3.Ponho diante dele a minha inquietação, eu lhe exponho toda a minha angústia.
4.Na hora em que meu espírito desfalece, vós conheceis o meu caminho. Na senda em que ando, ocultaram-me um laço.
5.Olho para a direita e vejo: não há ninguém que cuide de mim. Não existe para mim um refúgio, ninguém que se interesse pela minha vida.
6.Eu vos chamo, Senhor, vós sois meu refúgio, meu quinhão na terra dos vivos.
7.Atendei ao meu clamor, porque estou numa extrema miséria. Livrai-me daqueles que me perseguem, porque são mais fortes do que eu.
8.Tirai-me desta prisão, para que possa agradecer ao vosso nome. Os justos virão rodear-me, quando me tiverdes feito este benefício.



"Vós sois o meu refúgio"
1. Na tarde do dia 3 de Outubro de 1226, São Francisco de Assis estava prestes a falecer:  a sua última oração foi precisamente a recitação do Salmo 141, que acabamos de ouvir. São Boaventura recorda que Francisco "irrompeu com a exclamação do Salmo:  "Em alta voz clamo o Senhor, em alta voz imploro ao Senhor" e recitou-o até ao versículo final:  "os justos farão círculo à minha volta porque fostes bondoso para comigo"" (Leggenda  Maggiore,  XIV,  5,  in  Fonti Franciscane,  Padova  Assisi  1980, p. 958).
O Salmo é uma súplica intensa, marcada por uma série de verbos de imploração dirigidos ao Senhor:  "clamo", "imploro ao Senhor", "ponho diante d'Ele a minha inquietação", "exponho-lhe a minha angústia" (vv. 2-3). A parte central do Salmo está dominada pela confiança em Deus que não é indiferente ao sofrimento do fiel (cf. vv. 4-8). Com esta atitude São Francisco encaminhou-se rumo à morte.
2. Deus é interpelado com o "Vós", como uma pessoa que dá segurança:  "Vós sois o meu refúgio" (v. 6). "Sois o meu quinhão na terra", isto é, o itinerário da minha vida, um percurso marcado pela opção pela justiça. Mas naquele percurso, os ímpios armaram uma cilada (cf. v. 4):  é a imagem típica que se deduz dos cenários de caça e que é frequente nas súplicas dos Salmos para indicar os perigos e as insídias às quais o justo é submetido.
Perante este pesadelo, o Salmista lança quase um sinal de alerta para que Deus veja a sua situação e intervenha:  "Olho para a minha direita e vejo" (v. 5). Mas, na tradição oriental, à direita de uma pessoa colocava-se o defensor ou a testemunha favorável em sede processual, ou então, no caso de guerra, o guarda-costas. Por conseguinte, o fiel está só e abandonado, "mais ninguém o reconhece". Por isso ele exprime uma constatação angustiante:  "não há quem se importe de mim; não tenho onde refugiar-me" (v. 5).
3. Imediatamente a seguir, um brado revela a esperança que habita o coração do orante:  agora a única protecção e proximidade eficaz é a de Deus:  "Vós sois o meu refúgio, sois o meu quinhão na terra dos vivos" (v. 6). O "quinhão" ou "porção", na linguagem bíblica é o dom da terra prometida, sinal do amor divino em relação ao seu povo. Agora, o Senhor permanece o último e o único fundamento sobre o qual basear-se, a única possibilidade de vida, a esperança suprema.
O Salmista invoca-o com insistência, porque está "extremamente consumido" (v. 7). Suplica-o para que intervenha para romper as cadeias da sua prisão de solidão e de hostilidade (cf. v. 8) e arrancá-lo do abismo da provação.
4. Como noutros Salmos de súplica, a perspectiva final é a de uma acção de graças, que será oferecida a Deus depois do atendimento:  "Tirai-me desta prisão, para que dê graças ao Vosso nome" (ibid.). Quando tiver sido salvo, o fiel irá agradecer ao Senhor no meio da assembleia litúrgica (cf. ibid.). Circundá-lo-ão os justos, que sentirão a salvação do irmão como um dom feito também a eles.
Esta atmosfera também deveria exalar nas celebrações cristãs. O sofrimento do indivíduo deve encontrar eco no coração de todos; do mesmo modo, a alegria de cada um deve ser vivida por toda a comunidade orante. De facto, "como é bom, como é agradável viverem os irmãos em unidade (Sl 132, 1) e o Senhor Jesus disse:  "Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles" (Mt 18, 20).
5. A tradição cristã aplicou o Salmo 141 a Cristo perseguido e sofredor. Nesta perspectiva, a meta luminosa da súplica sálmica transfigura-se num sinal pascal, com base no êxito glorioso da vida de Cristo e do nosso destino de ressurreição com ele. Afirma isto Santo Hilário de Poitiers, famoso Doutor da Igreja do quarto século, no seu Tratado sobre os Salmos.
Ele comenta a tradução latina do último versículo do Salmo, que fala de recompensa para o orante e de expectativa dos justos:  "Me expectant iusti, donec retribuas mihi". Santo Hilário explica:  "O Apóstolo ensina-nos qual a recompensa que o Pai deu a Cristo:  "Deus exaltou-o e deu-lhe o nome que está acima de qualquer nome; para que, no nome de Jesus, todos os joelhos se dobrem nos céus, na terra e sob a terra; e todos os lábios proclamem que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Fl 2, 9-11). A recompensa é esta:  ao corpo, que assumiu, é oferecida a eternidade da glória do Pai.
O significado da expectativa dos justos, é-nos ensinado pelo próprio Apóstolo, quando diz:  "Nós, porém, somos cidadãos  do  Céu  e  de  lá  esperamos  o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo miserável, tornando-o  conforme  ao  Seu  corpo glorioso" (Fl 3, 31-21). Com efeito, os justos esperam-no para que os recompense, isto é, para que os conforme com a glória do seu corpo, que é abençoado por toda a eternidade. Amém!" (PL 9, 833-837).

PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 12 de Novembro de 2003








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