Salmo 146
1.Salmo. Louvai o Senhor porque ele é bom; cantai ao nosso Deus porque ele é amável, e o louvor lhe convém.
2.O Senhor reconstrói Jerusalém, e congrega os dispersos de Israel.
3.Ele cura os que têm o coração ferido, e pensa-lhes as chagas.
4.É ele que fixa o número das estrelas, e designa cada uma por seu nome.
5.Grande é o Senhor nosso e poderosa a sua força; sua sabedoria não tem limites.
6.O Senhor eleva os humildes, mas abate os ímpios até a terra.
7.Cantai ao Senhor um cântico de gratidão, cantai ao nosso Deus com a harpa.
8.A ele que cobre os céus de nuvens, que faz cair a chuva à terra; a ele que faz crescer a relva nas montanhas, e germinar plantas úteis para o homem.
9.Que dá sustento aos rebanhos, aos filhotes dos corvos que por ele clamam.
10.Não é o vigor do cavalo que lhe agrada, nem ele se compraz nos jarretes do corredor.
11.Agradam ao Senhor somente os que o temem, e confiam em sua misericórdia.
O poder e a bondade do Senhor
1. O Salmo que acabamos de cantar é a primeira parte de uma composição que inclui também o Salmo seguinte, 147, e que o original hebraico conservou na sua unidade. Foram as antigas versões grega e latina que dividiram o cântico em dois Salmos diferentes.
O Salmo começa com um convite a louvar a Deus e depois enumera uma longa série de motivos de louvor, todos expressos no presente. Trata-se de actividades de Deus, consideradas características e sempre actuais; mas são de géneros muito diferentes: algumas referem-se às intervenções de Deus na existência humana (cf. Sl 146, 3.6.11) e sobretudo em favor de Jerusalém e de Israel (cf. v. 2); outras referem-se ao universo criado (cf. v. 4) e mais especialmente à terra com a sua vegetação e com os animais (cf. vv. 8-9).
Por fim, dizendo de quem o Senhor se apraz, o Salmo convida-nos a ter uma dúplice atitude: de temor religioso e de confiança (cf. v. 11). Nós não estamos abandonados a nós mesmos ou às energias cósmicas, mas estamos sempre nas mãos do Senhor, devido ao seu projecto de salvação.
2. Depois do convite festivo ao louvor (cf. v. 1), o Salmo desenvolve-se em dois movimentos poéticos e espirituais. No primeiro (cf. vv. 2-6) introduz-se antes de mais a acção histórica de Deus, sob a imagem de um construtor que está a edificar novamente Jerusalém, que recuperou a vida depois do exílio na Babilónia (cf. v. 2). Mas este grande artífice, que é o Senhor, revela-se também como um pai que se inclina sobre as feridas interiores e físicas, presentes no seu povo humilhado e oprimido (cf. v. 3).
Demos espaço a Santo Agostinho que, na Exortação do Salmo 146, feita em Cartagena em 412, comentava do seguinte modo a frase: "O Senhor cura todos os que têm o coração atribulado": "Quem não tem o coração atribulado não é curado... Quem são aqueles de coração atribulado? Os humildes. E os que não atribulam o coração? Os soberbos. Contudo, o coração atribulado é curado, o coração repleto de orgulho é derrubado. Aliás, provavelmente, se é derrubado é precisamente para que, depois da atribulação, possa ser restabelecido, curado... "Ele cura os que têm o coração atribulado, e cura as suas rupturas"... Por outras palavras, cura os humildes de coração, os que confessam, que se punem, que julgam com severidade para poder experimentar a sua misericórdia. Eis quem cura. Mas a saúde perfeita será alcançada no fim do presente estado mortal, quando o nosso ser corruptível for revestido de incorruptibilidade e o nosso ser mortal estiver revestido de imortalidade" (5-8: Exposições sobre os Salmos, IV, Roma 1977, pp. 772-779).
3. Mas a obra de Deus não se manifesta apenas através da cura dos sofrimentos do seu povo. Ele, que circunda os pobres de ternura e cuidados, eleva-se como juiz severo em relação aos soberbos (cf. v. 6). O Senhor da história não permanece indiferente perante a fúria dos prepotentes, que se julgam os únicos árbitros das vicissitudes humanas: Deus reduz ao pó da terra todos aqueles que desafiam o céu com a sua soberba (cf. 1 Sm 2, 7-8; Lc 1, 51-53).
Mas a acção de Deus não se esgota no seu senhorio sobre a história; ele é também o rei da criação, todo o universo responde à sua chamada de Criador. Ele não só pode contar a grande quantidade das estrelas, mas é capaz também de chamar cada uma pelo nome, definindo, por conseguinte, a sua natureza e as suas características (cf. Sl 146, 4).
Já o profeta Isaías cantava: "Levantai os olhos ao céu e olhai: quem criou todos estes astros? Aquele que os conta e os faz marchar como um exército, e a todos chama pelos seus nomes" (40, 26). Por conseguinte, os "exércitos" do Senhor são as estrelas. O profeta Baruc continuava assim: "As estrelas brilham nos seus postos e alegram-se. Ele chama-as e elas respondem: "Aqui estamos". E, jubilosas, dão luz ao seu Senhor" (3, 34-35).
4. Depois de um novo convite jubiloso ao louvor (cf. Sl 146, 7), eis que se abre o segundo movimento do Salmo 146 (cf. vv. 7-11). Continua em primeiro plano ainda a acção criadora de Deus na criação. Numa paisagem muitas vezes árida, como a oriental, o primeiro sinal do amor divino é a chuva que fecunda a terra (cf. v. 8). Neste seguimento, o Criador prepara uma mesa para os animais. Aliás, ele preocupa-se em dar alimento também aos seres vivos mais pequeninos, como os filhinhos dos corvos que bradam devido à fome (cf. v. 9). Jesus convida-nos a olhar "para as aves do céu: não semeiam, nem ceifam, nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as" (Mt 6, 26; cf. também Lc 12, 24 com a referência explícita aos "corvos").
Mas, uma vez mais, a atenção vai da criação para a existência humana. E assim o Salmo conclui-se mostrando o Senhor que se inclina sobre quem é justo e humilde (cf Sl 146, 10-11), como já se tinha declarado na primeira parte do hino (cf. v. 6). Através de dois símbolos de poder, o cavalo e as pernas do homem quando corre, delineia-se a atitude divina que não se deixa conquistar ou atemorizar pela força. Mais uma vez, a lógica do Senhor ignora o orgulho e a arrogância do poder, mas defende quem é fiel e "espera na sua graça" (v. 11), ou seja, deixa-se orientar por Deus no seu agir e no seu pensar, nos seus projectos e na própria vivência quotidiana.
É entre eles que se deve colocar também quem reza, baseando a sua esperança na graça do Senhor, com a certeza de ser envolvido pelo manto do amor divino: "O Senhor é quem vigia sobre os Seus fiéis, sobre aqueles que esperam na sua bondade, libertando-os da morte e fazendo-os viver no tempo da fome... n'Ele se alegra o nosso coração e em Seu santo nome confiamos" (Sl 32, 18-19.21).
PAPA JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-Feira, 23 de Julho de 2003
Diretório Franciscano - Salmo 146 (Espanhol)
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