quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 138


Salmo 138

1.Ao mestre de canto. Salmo de Davi. Senhor, vós me perscrutais e me conheceis,
2.sabeis tudo de mim, quando me sento ou me levanto. De longe penetrais meus pensamentos.
3.Quando ando e quando repouso, vós me vedes, observais todos os meus passos.
4.A palavra ainda me não chegou à língua, e já, Senhor, a conheceis toda.
5.Vós me cercais por trás e pela frente, e estendeis sobre mim a vossa mão.
6.Conhecimento assim maravilhoso me ultrapassa, ele é tão sublime que não posso atingi-lo.
7.Para onde irei, longe de vosso Espírito? Para onde fugir, apartado de vosso olhar?
8.Se subir até os céus, ali estareis; se descer à região dos mortos, lá vos encontrareis também.
9.Se tomar as asas da aurora, se me fixar nos confins do mar,
10.é ainda vossa mão que lá me levará, e vossa destra que me sustentará.
11.Se eu dissesse: Pelo menos as trevas me ocultarão, e a noite, como se fora luz, me há de envolver.
12.As próprias trevas não são escuras para vós, a noite vos é transparente como o dia e a escuridão, clara como a luz.
13.Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe.
14.Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso. Pelas vossas obras tão extraordinárias, conheceis até o fundo a minha alma.
15.Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas.
16.Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse.
17.Ó Deus, como são insondáveis para mim vossos desígnios! E quão imenso é o número deles!
18.Como contá-los? São mais numerosos que a areia do mar; se pudesse chegar ao fim, seria ainda com vossa ajuda.
19.Oxalá extermineis os ímpios, ó Deus, e que se apartem de mim os sanguinários!
20.Eles se revoltam insidiosamente contra vós, perfidamente se insurgem vossos inimigos.
21.Pois não hei de odiar, Senhor, aos que vos odeiam? Aos que se levantam contra vós, não hei de abominá-los?
22.Eu os odeio com ódio mortal, eu os tenho em conta de meus próprios inimigos.
23.Perscrutai-me, Senhor, para conhecer meu coração; provai-me e conhecei meus pensamentos.
24.Vede se ando na senda do mal, e conduzi-me pelo caminho da eternidade.

Salmo 138, 1-12: Deus tudo vê
1. Em duas etapas diferentes a Liturgia das Vésperas cujos Salmos e Cânticos estamos a meditar propõe-nos a leitura de um hino sapiencial de límpida beleza e de forte impacto emotivo, o Salmo 138. Temos hoje diante de nós a primeira parte da composição (cf. vv. 1-12), isto é, as primeiras duas estrofes que exaltam respectivamente a omnisciência de Deus (cf. vv. 1.6) e a sua omnipresença no espaço e no tempo (cf. vv. 7-12).
O vigor das imagens e das expressões tem como finalidade a celebração do Criador:  "Se é tanta a grandeza das obras criadas afirma Teodoro de Ciro, escritor cristão do século V quanto deve ser grande o seu Criador!" (Discursos sobre a Providência, 4:  Colecção de Textos Patrísticos, LXXV, Roma 1988, p. 115). A meditação do Salmista tem sobretudo por finalidade penetrar no mistério do Deus transcendente, mas que está próximo de nós.
2. A substância da mensagem que ele nos oferece é linear:  Deus tudo sabe e está presente ao lado da sua criatura, que a Ele não pode subtrair-se. Mas a sua presença não é dominante nem examinadora; sem dúvida, o seu olhar é também severo em relação ao mal, face ao qual não permanece indiferente.
Contudo o elemento fundamental é o de uma presença salvífica, capaz de abraçar todo o ser e toda a história. Trata-se, na realidade, do cenário espiritual ao qual s. Paulo, falando no Areópago de Atenas, alude recorrendo à citação de um poeta grego:  "Nele vivemos, nos movemos e existimos" (Act 17, 28).
3. O primeiro trecho (cf. Sl 138, 1-5), como se dizia, é a celebração da omnisciência divina:  de facto, repetem-se as palavras do conhecimento como "perscrutar", "conhecer", "saber", "penetrar", "compreender" e "sabedoria". Como se sabe, o conhecimento bíblico supera o puro e simples aprender e compreender intelectivo; é uma espécie de comunhão entre conhecedor e conhecido:  por conseguinte, o Senhor está em intimidade connosco, durante o nosso pensar e agir.
Ao contrário, à omnipotência divina está dedicado o segundo trecho do nosso Salmo (cf. vv. 7-12). Nele descreve-se de maneira vívida e ilusória a vontade do homem de se subtrair àquela presença. Todo o espaço é percorrido:  antes de tudo, está o eixo vertical "céu  mundo dos mortos" (cf. v. 8), que é substituído pela dimensão horizontal, a que vai da aurora, isto é, do oriente, e chega até "à extremidade do mar" Mediterrâneo, o Ocidente (cf. v. 9). Todos os âmbitos do espaço, também o mais secreto, contém uma presença activa de Deus.
O Salmista continua a introduzir também a outra realidade na qual nós estamos imersos, o tempo, simbolicamente representado pela noite e pela luz, pelas trevas e pelo dia (cf. vv. 11-12). Também a obscuridade, na qual é difícil mover-se e ver, está penetrada pelo olhar e pela epifania do Senhor da existência e do tempo. A sua mão está sempre pronta a pegar na nossa para nos guiar no nosso itinerário terreno (cf. v. 10). Portanto, é uma proximidade não de julgamento que incute terror, mas de apoio e de libertação.
E assim podemos compreender qual é o conteúdo último e essencial deste Salmo:  é um cântico de confiança. Deus está sempre connosco. Também nas noites mais obscuras da nossa vida, não nos abandona. Também nos momentos mais difíceis, permanece presente. E também na última noite, na última solidão na qual ninguém nos pode acompanhar, na noite da morte, o Senhor não nos abandona. Acompanha-nos também nesta última solidão da noite da morte. E por isso nós, cristãos, podemos ter confiança:  nunca somos deixados sós. A bondade de Deus está sempre connosco.
4. Começámos com uma citação do escritor cristão Teodoreto de Ciro. Concluimos confiando-nos ainda a ele e ao seu IV Discurso sobre a Providência divina, porque em última análise este é o tema do Salmo. Ele detém-se no v. 6 no qual o orante exclama:  "É maravilhosa para mim a tua sabedoria, muito alta, e eu não a compreendo". Teodoreto comenta aquela passagem dirigindo-se à interioridade da consciência e da experiência pessoal e afirma:  "Dirigido para mim mesmo e tendo-me tornado íntimo comigo mesmo, afastando-me dos clamores externos, quis imergir-me na contemplação da minha natureza... Reflectindo sobre estas coisas e pensando na harmonia entre a natureza mortal e a imortal, sinto-me dominado por tanto prodígio e, não conseguindo contemplar este mistério, reconheço a minha derrota; e ainda mais, enquanto proclamo a vitória da sabedoria do Criador e a ele canto hinos de louvor, grito:  "É maravilhosa para mim a tua sabedoria, demasiado alta, e eu não a compreendo"" (Colecção de Textos Patrísticos, LXXV, Roma 1988, pp. 116.117).

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 14 de Dezembro 2005


Salmo 138, 18. 23-24: Sonda-me, ó Deus e conhece o meu coração!
1. Nesta Audiência geral da quarta-feira da Oitava de Natal, festa litúrgica dos Santos Inocentes, retomamos a nossa meditação sobre o Salmo 138, cuja leitura orante é proposta pela Liturgia das Vésperas em duas etapas distintas. Depois de ter contemplado na primeira parte (cf. vv. 1-12) o Deus omnisciente e omnipotente, Senhor da existência e da história, agora este hino sapiencial de intensa beleza e paixão indica a realidade mais alta e admirável de todo o universo, o homem, definido como o "prodígio" de Deus (cf. v. 14). Trata-se, na realidade, de um tema profundamente em sintonia com o clima natalício que estamos vivendo nestes dias, em que celebramos o grande mistério do Filho de Deus que se fez homem, aliás, que se fez Menino para a nossa salvação.
Depois de ter considerado o olhar e a presença do Criador, que abrangem todo o horizonte cósmico, na segunda parte do Salmo que hoje meditamos, os olhos amáveis de Deus voltam-se para o ser humano, considerado na sua origem plena e completa. Ele ainda está "sem forma" no útero materno: o vocábulo hebraico usado é entendido por alguns estudiosos da Bíblia remissivo ao "embrião", descrito como uma pequena realidade oval, envolvida em si mesma, mas sobre a qual já se coloca o olhar benévolo e amoroso dos olhos de Deus (cf. v. 16).
2. Para definir a acção divina dentro do ventre materno, o Salmista recorre às clássicas imagens bíblicas, enquanto a cavidade geradora da mãe é comparada com as "profundezas da terra", ou seja, com a vitalidade constante da grande mãe-terra (cf. v. 15). Antes de mais nada, há o símbolo do oleiro e do escultor que "forma", plasma a sua criação artística, a sua obra-prima, exactamente como se dizia no livro da Génesis, para a criação do homem: "O Senhor plasmou o homem com pó do solo" (Gn 2, 7). A seguir, há o símbolo "têxtil" que evoca a delicadeza da pele, da carne, dos nervos "tecidos" no esqueleto ósseo. Também Job evoca com força estas e outras imagens para exaltar aquela obra-prima que é a pessoa humana, apesar de ser golpeada e ferida pelo sofrimento: "As tuas mãos formaram e modelaram todo o meu ser... Lembra-te de que me fizeste do barro... Não me derramaste como leite e me coalhaste como queijo? Revestiste-me de pele e carne, e teceste-me de ossos e nervos" (Job 10, 8-11).
3. Extremamente poderosa é, no nosso Salmo, a ideia de que o Deus daquele embrião ainda "sem forma" já veja todo o futuro: no livro da vida do Senhor já estão inscritos os dias que aquela criatura viverá e cumulará de obras durante a sua existência terrena. Assim, volta a emergir a grandeza transcendente do conhecimento divino, que não abraça somente o passado e o presente da humanidade, mas também o arco ainda escondido do futuro. Mas manifesta-se também a grandeza desta pequena criatura humana nascitura, formada pelas mãos de Deus e rodeada pelo seu amor: um elogio bíblico do ser humano, desde o primeiro momento da sua existência.
Agora, gostaríamos de confiar-nos à reflexão que São Gregório Magno, nas suas Homilias sobre Ezequiel, teceu sobre a frase do Salmo, que antes comentámos: "Os teus olhos viam as minhas acções e eram todas escritas no teu livro" (v. 16). Sobre estas palavras o Pontífice e Padre da Igreja edificou uma meditação original e delicada, relativa àqueles que, na Comunidade cristã, são mais frágeis no seu caminho espiritual.
E diz também que os indivíduos frágeis na fé e na vida cristã fazem parte da arquitectura da Igreja. E continua: "Contudo, nela são incluídos... em virtude da boa vontade. É verdade, são imperfeitos e pequenos, mas naquilo que conseguem compreender, amam a Deus e o próximo e não deixam de realizar o bem que podem. Embora ainda não alcancem os dons espirituais, a ponto de abrir a alma à acção perfeita e à contemplação ardente, todavia não renunciam ao amor a Deus e ao próximo, na medida em que são capazes de o compreender. Por isso, ainda que ocupem um lugar menos importante, é verdade que também eles contribuem para a edificação da Igreja porque, embora sejam inferiores por doutrina, profecia, graça dos milagres e desprezo completo pelo mundo, todavia estão alicerçados sobre o fundamento do temor e do amor, onde encontram a própria solidez" (2, 3, 12-13, Obras de Gregório Magno, III/2, Roma 1993, pp. 79.81).
Assim, a mensagem de São Gregório torna-se uma grande consolação para todos nós que, frequentemente, progredimos com dificuldade ao longo do caminho da vida espiritual e eclesial. O Senhor conhece todos nós e circunda-nos com o seu amor.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 28 de Dezembro 2005



Diretório Franciscano - Salmo 138 (Espanhol)









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