quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comentário ao Salmo 136


Salmo 136

1.Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião.
2.Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas harpas,
3.porque aqueles que nos tinham deportado pediam-nos um cântico. Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria: Cantai-nos um dos cânticos de Sião.
4.Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra estranha?
5.Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise!
6.Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias.
7.Contra os filhos de Edom, lembrai-vos, Senhor, do dia da queda de Jerusalém, quando eles gritavam: Arrasai-a, arrasai-a até os seus alicerces!
8.Ó filha de Babilônia, a devastadora, feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!
9.Feliz aquele que se apoderar de teus filhinhos, para os esmagar contra o rochedo!

Salmo 136: Junto dos rios da Babilónia
1. Nesta primeira quarta-feira do Advento, tempo litúrgico de silêncio, vigilância e oração em preparação para o Natal, meditamos o Salmo 136, que se tornou célebre na versão latina do seu início, Super flumina Babylonis. O texto recorda a tragédia vivida pelo povo hebraico durante a destruição de Jerusalém, que aconteceu em 586 a.C., e o sucessivo e consequente exílio na Babilónia. Estamos diante de um canto nacional de sofrimento, marcado por uma saudade crescente do que se perdeu.
Esta insistente invocação ao Senhor, para que liberte os seus fiéis da escravidão babilónia, exprime bem também os sentimentos de esperança e de expectativa da salvação com os quais iniciámos o nosso caminho do Advento.
A primeira parte do Salmo (cf. vv. 1-4) tem como fundo a terra do exílio, com os seus rios e canais, precisamente os que irrigam a planície babilónica, sede dos deportados hebreus. É quase a antecipação simbólica dos campos de extermínio nos quais o povo hebreu no século que há pouco terminou foi encaminhado através de uma opressão aviltante de morte, que permaneceu como vergonha indelével na história da humanidade.
A segunda parte do Salmo (cf. vv. 5-6) é, ao contrário, a cidade perdida mas viva no coração dos exilados.
2. Nas palavras do Salmista estão incluídos a mão, a língua, o paladar, a voz, as lágrimas. A mão é indispensável para quem toca a harpa: mas agora ela está paralisada (cf. v. 5) pela dor, também porque as harpas estão penduradas nos salgueiros.
A língua é necessária ao cantor, mas agora está colada ao paladar (cf. v. 6). Em vão os raptores babilónios "pediam canções... canções de alegria" (v. 3). Os "cânticos de Sião" são "cânticos do Senhor" (vv. 3-4), não são canções folclóricas e de espectáculo. Só na liturgiae na liberdade de um povo podem elevar-se ao céu.
3. Deus, que é o último arbítrio da história, saberá compreender e acolher segundo a sua justiça também o grito das vítimas, além dos acentos ásperos que por vezes ele assume.
Gostaríamos de nos confiar a santo Agostinho para uma ulterior meditação sobre o nosso Salmo.
Nela o grande Padre da Igreja introduz uma nota surpreendente e de grande actualidade: ele sabe que entre os habitantes da Babilónia se encontram pessoas que se comprometem pela paz e pelo bem da comunidade, mesmo se não partilham a fé bíblica, isto é, se não conhecem a esperança da Cidade eterna pela qual nós aspiramos. Eles levam consigo uma centelha de desejo do desconhecido, do maior, do transcendente, de uma verdadeira redenção. E ele diz que também entre os perseguidores, entre os não-crentes, existem pessoas com esta centelha, com uma espécie de fé, de esperança, na medida que lhes é possível nas circunstâncias em que vivem. Com esta fé, também numa realidade desconhecida, eles estão realmente a caminho rumo à verdadeira Jerusalém, a Cristo.
E com esta abertura de esperança também para os babilónios como lhes chama Agostinho para os que não conhecem Cristo, nem sequer Deus, e contudo desejam o desconhecido, o eterno, ele adverte-nos também a nós que não nos fixemos simplesmente nas coisas materiais do momento presente, mas que perseveremos no caminho para Deus. Só com esta esperança maior podemos também, do modo justo, transformar este mundo. Santo Agostinho diz isto com as seguintes palavras: "Se somos cidadãos de Jerusalém... e devemos viver nesta terra, na confusão do mundo presente, na actual Babilónia, onde não habitamos como cidadãos mas somos presos, é preciso que quanto foi dito pelo Salmo não só o cantemos mas vivamos: o que se faz com uma aspiração profunda do coração, plena e religiosamente desejoso da cidade eterna".
E acrescenta em relação à "cidade terrestre, chamada Babilónia": ela "tem pessoas que, movidas pelo amor por ela, se esforçam para garantir a paz paz temporal sem alimentar no coração outra esperança, aliás repondo nisto toda a sua alegria, sem se promover outra coisa. E nós vemo-los fazer todos os esforços para se tornarem úteis à sociedade terrena. Mas, se se esforçam com consciência pura nestas tarefas, Deus não permitirá que pereçam com Babilónia, tendo-os predestinado para serem cidadãos de Jerusalém: mas contanto que, vivendo na Babilónia, não tenham a ambição da soberba, a pompa caduca e a arrogância irritante... Ele vê a sua disponibilidade e mostrar-lhes-á a outra cidade, pela qual devem verdadeiramente suspirar e orientar todos os esforços" (Exposições sobre os Salmos, 136, 1-2; Nova Biblioteca Agostiniana, XXVIII, Roma 1977, pp. 397.399).
E pedimos ao Senhor que desperte em todos nós este desejo, esta abertura a Deus, e que também os que não conhecem Deus, e os que não conhecem Cristo possam ser tocados pelo seu amor, para que todos juntos nos coloquemos em peregrinação para a Cidade definitiva e a luz desta Cidade possa surgir também neste nosso tempo e no nosso mundo.

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 30 de Novembro de 2005












2 comentários: